Se ainda restavam dúvidas sobre os focos da primeira temporada de “The Last of Us”, este penúltimo episódio escancarou de vez. Em primeiro plano, a ligação entre Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) a partir da desconstrução da adolescente divertida e até descompromissada para uma mulher lidando com o caos do fim do mundo, enquanto este apocalipse se mostra muito mais complexo do que zumbis assustadores correndo atrás da dupla. Pior do que qualquer assombração está a mente humana e até onde homens e mulheres são capazes para sobreviver e dominar em um cenário de terra arrasada. 

Depois de radicais isolados e sozinhos, negacionistas e afins, “The Last of Us” explora outro grupo historicamente problemático: as seitas religiosas. “When We Are in Need” inicia com uma pregação de David (Scott Shepard, excelente) falando, veja só, sobre o apocalipse para um grupo de pessoas dentro de uma churrascaria. No meio de rostos nitidamente cansados e com medo, está uma garota chorando copiosamente querendo vingança pela morte do pai. Não demora muito para sabermos que o autor do tal crime foi Joel, o qual está lutando pela vida e sendo acudido por Ellie em uma das casas próximas à região. Não demora muito claro para o destino deles se cruzarem. 

Se até aqui os saqueadores duelavam em termos de barbárie com os zumbis, “When We Are in Need” apresenta em David uma nova e, talvez, maior ameaça: os oportunistas da fé aproveitadores do medo das pessoas. De uma figura comum (professor, no caso) antes do apocalipse, ele passa a compreender o poder que tem em mãos à medida em que junta um grupo de pessoas para sobreviver em condições adversas. Com a fala mansa e educada acompanhada de citações da Bíblia e uma arma na mão, o cidadão de bem lidera sem maiores dificuldades ao compreender que a esperança e Deus são ativos a serem manipulados. A mistura de Walter White com Silas Malafaia do fim do mundo, entretanto, guarda um segredo ainda mais sádico no melhor estilo lobo em pele de cordeiro. 

Neste buraco, estão Ellie e Joel. O nosso herói encarna uma ressurreição à la Bruce Willis e Arnold Schwarzenegger dos anos 1990 para sair matando quem ameace os dois, o que, diga-se, não há mal algum. Afinal, esta é uma adaptação de um game de ação em um mundo dominado por zumbis, logo, “licenças poéticas” do gênero são permitidas – ainda que um cause sim certa estranheza como um sujeito agonizando, mais para lá do que para cá, se levante de uma hora para outra e vire o Rambo em uma sequência arrasadora comandada pelo ótimo diretor Ali Abbasi (de “Holy Spider” e “Shelly”). 

O foco maior, porém, está mesmo em Ellie: lembro de falar algumas semanas atrás sobre como era bonito vê-la olhar o mundo destruído com certo encanto e empolgação já que era o primeiro contato dela com o exterior após anos imersa na lavagem cerebral da FEDRA. Fora que nunca podemos nos esquecer de que ela é uma adolescente, algo que os roteiristas Craig Mazin e Neil Druckmann sempre fazem questão de nos lembrar como ocorreu no passeio do shopping no sétimo episódio.  

“When We Are in Need” chega para ser uma mudança nesta rota da personagem. Não apenas ela se depara com o horror das formas mais repulsivas possíveis como precisa reagir para não ser devorada (literalmente, inclusive) por monstros desumanos. E a reação chega inicialmente catártica por dar ponto final ao pesadelo, mas, evolui para algo a mais, tamanha a explosão de fúria, violenta e quase interminável do momento. Impossível Ellie ser a mesma dali em diante. Ponto para direção de fotografia de Nadim Carlsen e a montagem de Cindy Mollo capazes de entender o simbolismo da sequência. 

Por fim, o abraço tão esperado para amenizar os angustiantes 50 minutos até então do lado de cá e de lá. Que episódio! Cuide-se Oscar: “The Last of Us” promete dominar as atenções no próximo domingo.