Uma maldição paira sobre True Detective, a antologia de suspense policial da HBO: trata-se da praga da primeira temporada, aquela estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, e criada pelo roteirista/produtor Nic Pizzolato. Os grandiosos oito episódios capturaram a imaginação de todo mundo em 2014 e ainda hoje seduz novos espectadores. Ela foi um marco da chamada “nova era de ouro” dos seriados norte-americanos. Então, não tem jeito: toda nova produção da marca True Detective vai ser comparada com aquele marco.

Já a segunda temporada, feita pouco depois, foi considerada uma das maiores decepções da TV moderna – embora haja, aqui e ali, alguns grandes momentos e traga atuações brilhantes, ela simplesmente não conseguiu gerar o mesmo entusiasmo. A terceira temporada, após um intervalo de alguns anos, foi mais aceita em boa parte por ter uma pegada mais próxima à primeira.

E agora, cinco anos depois, vem este True Detective: Terra Noturna, considerado um spin-off, um derivado da série, que conta agora com uma nova voz na autoria, a produtora-executiva Issa López, que concebeu a trama, co-roteirizou e dirigiu todos os episódios. Pizzolato teve apenas um papel protocolar de produtor-executivo, sem dar pitacos, e ainda falou mal da empreitada depois que a temporada acabou – leia aqui.

E o resultado? Bem, tem suas qualidades e defeitos. Em Terra Noturna, acompanhamos a investigação das policiais Liz Danvers (a veterana Jodie Foster) e Evangeline Navarro (Kali Reis). Liz é a delegada da cidade de Ennis, no Alasca, que está iniciando o período de meses em noite constante; Evangeline é uma policial mais nova e as duas não se bicam por causa de um desentendimento relativo a um caso no passado. Porém, elas são forçadas a se aliar para investigar as mortes bizarras de um grupo de cientistas de uma estação de pesquisa. E com o tempo, um elemento sobrenatural se infiltra na investigação, algo que pode ter a ver com o caso investigado por Rust Cohle e Marty Hart lá na primeira temporada.

ALTOS E BAIXOS

A maior qualidade de Terra Noturna é a sua atmosfera: o cenário de uma cidade dominada pela neve e onde a luz do sol nunca aparece causa desorientação no espectador, que precisa de uns lembretes periódicos para se situar quanto à passagem dos dias dentro da trama. E isso que poderia ser um problema acaba servindo à experiência, aumentando a tensão. A direção de López e o trabalho de cinematografia de Florian Hoffmeister são muito eficazes ao administrar essa tensão: a luz dura, fluorescente, é constante; e a diretora extrai ótimos trabalhos do seu elenco. Foster e Reis funcionam muito bem juntas, e a série conta também com trabalhos fortes do jovem Finn Bennett e dos veteranos Christopher Eccleston e John Hawkes.

Porém, a temporada apresenta tropeços inegáveis. O mais grave deles é aquela sensação, tão comum hoje em dia, de muito episódio para pouca história. Terra Noturna tem seis episódios, dois a menos do que as temporadas anteriores da série, e ainda assim há momentos em que a narrativa para no acostamento para vermos, por exemplo, uma mensagem pró-natureza – nada contra, claro, mas a subtrama dos protestos dos ambientalistas para proteger Ennis não se concatena direito com a trama principal – ou a conspiração da grande empresa malvada, que parece mal esboçada – aliás, a companhia é batizada de Tuttle, o nome da família por trás da conspiração da temporada 1.

E as ligações com a primeira temporada… Bem, não passam de fanservice, uma menção aqui, uma fala acolá – “o tempo é um círculo”, dita por um personagem com toda a pompa no episódio final. López e seus co-roteiristas conhecem e gostam da mitologia True Detective, mas essas ligações com a icônica primeira temporada parecem superficiais assim como o ângulo sobrenatural da trama, que rende apenas umas imagens que trazem um ar de “projeto de escola de cinema”, uma esquisitice apenas pelo próprio desejo de ser esquisito.

As escolhas de canções na trilha sonora também contribuem para o clima de superficialidade, porque muitas das músicas são óbvias – “Everybody Dies” da Billie Eilish em uma cena de suicídio – ou as covers de canções famosas deixam algumas cenas com tom emo. Realmente, escolher músicas para filmes ou series é uma arte… Porém, um momento que parece uma homenagem ao clássico O Enigma de Outro Mundo (1982) merece elogio, porque ao menos rende o melhor susto da temporada.

BEM-VINDA RETOMADA

Mesmo assim, entre qualidades e problemas, True Detective: Terra Noturna acaba sendo uma boa atração. O elenco e a atmosfera carregam o interesse do público, mesmo que o mistério principal acabe se resolvendo sem muitas surpresas, e o ângulo sobrenatural nunca realmente seja tão interessante ou dramático quanto o roteiro pensa que é. Em termos de suspense, a série continua envolvente e as críticas de Pizzolato têm um belo jeitão de dor de cotovelo.

E se, no fim das contas, nem o próprio criador conseguiu repetir de fato aquele fenômeno inicial, talvez ele devesse fazer as pazes com isso, e todos nós, espectadores, também. Nada nunca será igual àquela primeira temporada de True Detective, mas em termos de reinvenções de marcas e franquias em Hollywood, Terra Noturna até que merece seu quinhão de respeito. Mesmo com alguns problemas, é inegável que Issa López, seu elenco e sua equipe tiveram ousadia para tentar deixar sua marca em algo já estabelecido.

Talvez os resultados fossem melhores se eles tivessem esquecido da primeira temporada também.