Francis Ford Coppola despertou a ira dos fãs da Marvel duas semanas atrás por criticar o protótipo de filmes atuais em Hollywood feitos repetidamente para parecerem diferentes. Citou como até bons diretores do nível de Denis Villeneuve e Cary Fukunaga caíram na armadilha, respectivamente, em “Duna” e “007 – Sem Tempo Para Morrer”. 

“Batman” chega aos cinemas para provar a tese do mestre de “O Poderoso Chefão”: estamos diante de uma produção com a proposta de revitalizar uma franquia ao adotar uma pretensa personalidade com seu ar soturno e pessimista refletindo o nosso sombrio mundo. Para tanto, uma trama (teoricamente) densa, imagens esteticamente perfeitas, violência de sobra para se mostrar longe da infantilidade de seus rivais e do que se deduz uma obra baseada em HQ, um conjunto de atores do primeiro time de Hollywood em boas atuações, som, trilha, fotografia, maquiagem irretocáveis, respeito ao material de origem, etc, etc. 

Mas, passada a empolgação do “melhor filme da última semana”, estamos mesmo diante de algo realmente inovador?

Sinto muito dizer, mas, este “Batman” passa longe de sequer ser bom, o que dirá algo marcante. Temos apenas uma reciclagem do que fizera David Fincher, especialmente, em “Seven” com toques de noir, porém, sem a mesma inteligência destas obras. 

FLERTE COM A GRANDEZA 

Alçado ao posto de grande cineasta após tirar “Planeta dos Macacos” do medíocre para algo um pouco (ênfase no pouco) acima da média, Matt Reeves assume a direção e o roteiro sob a sombra de Christopher Nolan e da trilogia “O Cavaleiro das Trevas”. Logo, a atmosfera realista se mantém, sendo aqui trocada a paranoia da era pós-11 de Setembro pela decadência do Estado como resposta aos anseios sociais e, consequentemente, a ascensão de radicais extremistas.  

Aqui, o roteiro de Reeves em parceria com Peter Craig (dos dois últimos “Jogos Vorazes”) namora com a possibilidade de realmente ser algo fora do comum ao colocar o próprio herói em uma posição dúbia, confundindo-se com o seu antagonista. Afinal, o Homem-Morcego de Robert Pattinson está baseado no medo e na opressão como demonstra a primeira aparição dele em que o simples pisar da bota no chão gela a espinha não apenas dos criminosos como nossa também – aliás, “Batman” já se coloca como favorito absoluto da categoria do Oscar 2023.

Como bem sabemos, uma sociedade baseada nestes princípios não apenas oferece mais violência como também cobra seu preço. E o Bruce Wayne de Reeves vai muito além do sombrio, sendo sim o mais frágil já visto nos cinemas. Franjas à parte, Pattinson personifica um sujeito no limite da sanidade de forma sutil, mas, que basta uma grande ameaça para provar como toda aquela força do Batman está por um fio. Até mais do que a presença física, a voz do personagem na narração dimensiona o estado psicológico de Bruce – perde demais quem assiste a cópia dublada, diga-se. 

A entrada de Paul Dano em cena com o Charada serve como catalisador deste processo com sua completa insanidade ainda que articulada através da Dark Web e redes sociais. Chega a ser irônico e demonstra bem o buraco em que nos metemos apontar como ponto positivo do longa a defesa da política, do diálogo e da esperança em si contra o radicalismo como caminhos para a solução dos problemas de uma sociedade. 

DIDATISMO GRITANTE 

Já que defende o óbvio que tantos se recusam a enxergar, “Batman” parece aceitar a premissa na criação de seu épico noir. Afinal, nota-se a consciência total de que boa parte do público nunca chegou a assistir “Seven”, obra-prima de 1995 dirigida por David Fincher e protagonizada por Brad Pitt e Morgan Freeman. Logo, por que não repetir a fórmula? E a estrutura é assustadoramente a mesma: assassinatos são cometidos e charadas voltadas para os detetives (aqui, o Batman) deixadas pelo criminoso.  

Craig e Reeves, entretanto, possuem um universo maior tanto de pretensões em relação a subtextos e personagens do que tivera o roteirista Andrew Kevin Walker. Desta forma, se em “Seven”, a trama fluía com naturalidade entre a caçada ao assassino e o aprofundamento dos laços entre os detetives Mills e Somerset, “Batman” não encontra a mesma unidade, dependendo de certas conveniências (a conversa do promotor com Selina na boate) e da forma blocada de soluções das charadas, muitas vezes, fechadas em si sem a criação de uma unidade. Isso tira a força de figuras interessantes como o Pinguim (Colin Farrell no melhor estilo Robert DeNiro), restringe o Comissário Gordon (Jeffrey Wright) a um mero auxiliar do Batman e faz Selina Kyle (Zoe Kravitz, ótima) sumir e reaparecer do nada. 

Para piorar, o longa não sustenta um momento importante que poderia colocar um prisma até então não visto em todas as adaptações do Homem-Morcego relacionado a Thomas Wayne. Sintomático também é ver como “Batman” abusa da simplificação ao trazer um resumo da trama para o mais desavisado em, pelo menos, quatro ocasiões, além, claro, de reforçar a “mensagem” final com aquele marca texto amarelo. Para quem pretende ser um noir ou até mesmo um suspense com um pouco mais de densidade, o didatismo, outro símbolo da era Nolan, para não desagradar torna-se um tiro no pé. Um suco do que se tornou as adaptações de HQs e a própria Hollywood. 

Sorte de “Batman” que Matt Reeves não é Jon Watts e, diferente do colega de “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa”, extrai momentos de brilhantismo através da sua direção. Aliado ao departamento de som, à direção de fotografia de Greig Fraser (“Duna”, veja só) e à trilha sonora de Michael Giacchino, ele comanda grandes sequências de tirar o fôlego como a já citada primeira aparição do Homem-Morcego e todos os 15, 20 minutos iniciais, a perseguição de carro com o Pinguim culminando no Batman aparecendo com o fogo ao fundo e as sequências de ataque do Charada.  

Porém, mesmo aqui, volto a Coppola quando o mestre diz que, se pegarmos duas sequências dos mais variados blockbusters e colocarmos lado a lado haverá a sensação de ser a mesma coisa. E esta constatação berra no momento do sinalizador vermelho de “Batman” e sua cópia descarada “Aquaman”. Isso, entretanto, não impediu o longa de Jason Momoa de ser taxado de “Melhor Filme da DC”, “incrível e “maravilhoso” ao ser lançado igual acontece agora com a produção de Matt Reeves sendo uma “obra-prima”, “vencedora do Oscar 2023” e “Melhor Filme do Batman de todos os tempos”.  

O novo “Batman” simplesmente é (mais) um protótipo de uma indústria que se repete a exaustão e celebrado como se fosse algo inédito.

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