Tem poucos dias que uma morte foi sentida não só em Hollywood como reverberou em vários lugares do globo, deixando um peso no peito de milhares de pessoas. Em especial de meninos pretos, que perderam um heroi; de homens e mulheres que tiveram orgulho de ver seu povo, seu continente, a cultura da diáspora africana representada por meio de um filme; a influência de Pantera Negra na cultura pop e na conjuntura social perpassa pela nobreza de um ator: de Chadwick Boseman, que deu vida e voz ao príncipe tornado rei T’challa. Eu abro esse espaço para que mais vozes se expressem, falando do luto sim, mas, especialmente, pontuando a importância e a marca que Boseman, seu legado, sua militância política e sua intepretação do Pantera Negra deixaram no mundo. Com vocês, três jovens vozes negras do Audiovisual feito na Amazônia.

  

Para mim, “Pantera Negra” traz a representatividade em cada frame. Um filme que mistura realidade e ficção para recontar questões culturais e históricas dos povos africanos. Com que frequência vemos um narrativa como essa no cinema?  Não é tão comum, principalmente, no cinema dito comercial.

Quando “Pantera Negra” vem e mostra por meio do elenco, dialeto, figurino e, claro, através de toda a sua história o processo de segregação, colonização e violência que esses povos sofreram percebemos o quão é importante que o cinema funcione, de fato, como um meio de aprendizado, educação e representatividade de pessoas/ culturas que são historicamente silenciadas.

Essa realidade permite o aumento de discussões e reflexões sobre o que nunca é dito e também sobre o que a sociedade não deve mais naturalizar.

Gosto de lembrar do discurso do Chadwick Boseman na universidade de Howard, em que ele menciona o fato de ter questionado os produtores sobre o personagem que ele iria ler no teste: “eu estava em conflito, o papel era necessariamente estereotipado” e, logo após isso, ele acrescenta: “(…) Porque esse personagem estava amarrado em suposições sobre nós, o povo negro”, considero que muitas e muitos de nós também estávamos nos sentindo dessa maneira.

O ator sabia que é possível falar de ficção científica, de amor, de heróis e heroínas, para além da violência, dos estereótipos que pessoas negras são representadas, já que deu vida a grandes ícones negros no cinema para além dos estereótipos e antes mesmo de Pantera Negra.

Ele estava ciente que o cinema é muito mais do que representar a realidade, traz o lugar criativo do possível, você precisa fazer com que esse lugar do possível seja o lugar de abrir outros mundos, apresentar outros mundos, apresentar outros sonhos, signos e significados, você precisa saber se está fazendo a manutenção do mesmo ou fazendo algo para pensar mais além.

Ao dar vida ao Pantera Negra, Chad legitima nossa busca pela sua trajetória dentro da indústria, onde ele fez questão de deixar muito conteúdo papo cabeça para nós e para outras gerações – e principalmente, a noção de que acreditar nas nossas lutas nos garante o direito de sonhar outras representações para o seu povo.

  

Chadwick Boseman surge no universo cinematográfico da Marvel como o príncipe T’challa no filme Capitão América: Guerra civil”. Após alguns meses, o estúdio anunciaria oficialmente o início da produção do filme solo do “Pantera Negra” sob a direção de Ryan Coogler, causando agito nas redes sociais e inserindo expectativas em milhões de pessoas negras ao redor do mundo. Desde o início sabíamos que não se trataria apenas de mais um filme blockbuster de super-herói, haveria história, representatividade, ancestralidade, inspiração e impacto cultural.

E assim foi, ainda com um trabalho de direção de arte impecável, o filme surgiu recheado de referências ao nosso continente mãe como os ornamentos do povo Maasai, Ndebele e Himba. Uma trilha sonora arrebatadora, um lindo projeto sob a produção do rapper Kendrick Lamar contando ainda com nomes como The Weeknd, SZA, Travis Scott e Jorja Smith. “Pantera Negra” arrecadou uma bilheteria mundial de mais de 1,3 bilhão de dólares, foi vencedor de vários prêmios como o de melhor elenco pelo sindicato de atores – SAG – e ainda, por meio de projetos responsáveis por fazer crianças desfrutarem de sua primeira experiência cinematográfica, rompeu barreiras promovendo a inclusão e representatividade.

A arte possui papel fundamental no processo de luta por modelos de sociedades saudáveis e justos. A arte possui um grande papel refletor de vivências coletivas e “Pantera Negra” demonstrou a milhares de pessoas a possibilidade de existência para além da dor e para além do que ditou o ocidente branqueador, uma obra realçadora da beleza de cores pulsantes do povo preto, do respeito à espiritualidade, tradição e senioridade, do espírito de liderança e comunalismo. Ver Wakanda sendo uma nação africana forte, autônoma e tecnologicamente avançada como outrora foi kemet e, como África seria hoje caso não houvesse as sucessivas invasões europeias que culminaram no sequestro do Atlântico, floresce na formação da subjetividade de pessoas pretas.

Não é absurdo algum afirmar que Chadwick contribuiu na luta por essa sociedade. Ele foi o rosto que estampou esse sonho. Seu último personagem, Stormim, no filme dirigido por Spike Lee (“Destacamento Blood”) era um líder e entusiasta que mesmo após sua morte ficou vivo na lembrança de seus colegas. Ótima alusão para este momento em que temos sua presença viva como inspiração para milhões de nós afora. Peço licença a Coogler pra fazer das palavras dele as minhas quando escreveu em carta que agora Chadwick se tornou um ancestral. A morte não é o fim. Isto foi apenas um impulso, sua passagem de volta ao mundo espiritual e ao início do ciclo. Obrigada por inspirar milhões de pessoas ao se entregar dando vida ao príncipe T’challa. Fomos e ainda estamos profundamente afetados por essa experiência.

Yimbambé!

Wakanda para sempre!

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