Voltando a um debate antigo aqui no Cine Set (“antigo” só no sentido em que batemos várias vezes nesta tecla ao longo de 2013), a explosão das comédias brasileiras no cinema é um caso insidioso de sucesso de público e resultados artísticos pífios (para não dizer nulos). Poucas vezes se viu uma comédia minimamente bem desenvolvida, que investisse numa trama em vez de apenas emendar uma piada na outra. De fato, só consigo lembrar de três: a razoável Minha Mãe é uma Peça, a mediana Mato sem Cachorro e esta aqui.

Baseada na série do canal Multishow, Meu Passado Me Condena, com direção de Júlia Rezende, pode ser considerada a melhor comédia nacional de 2013. Num ano tão infeliz, porém, isso não quer dizer muita coisa. Trabalho convencional e com um mote gasto, ainda assim o filme consegue fazer rir, graças ao roteiro bem-cuidado e ao carisma do casal protagonista.

Fábio (Porchat) e Miá (Mello) acabaram de se casar, e partem em lua-de-mel para um cruzeiro rumo à Itália. Dados os temperamentos muito diferentes do casal, e o fato de que nenhum dos dois se conhece direito – eles se uniram às pressas, por impulso – a viagem pode render surpresas desagradáveis até o destino final.

A receita para o sucesso deste filme é um pouco aquela que fez a graça de Germes, curta do cineasta amazonense Rafael Lima: apostar no que é seguro. A comédia romântica urbana, as diferenças entre os sexos, as armadilhas comuns ao casamento – todos esses elementos têm longa tradição no cinema, e o filme sabe empregá-los para construir uma comédia sem muita originalidade, embora envolvente e (realmente) divertida.

Claro que mesmo esse material seguro pode soar tolo em mãos menos competentes (De Pernas pro Ar 2, da produtora deste filme, Mariza Leão), e é aí que encontramos a maior qualidade de Meu Passado Me Condena: o roteiro. Escrito por Tati Bernardi (a própria), Leandro Muniz e Patricia Corso, ele enfileira diálogos engraçados (às vezes, deliciosamente ferinos – em outras, senso comum rasteiro) e situações que não soam forçadas, criando uma boa base para os talentos cômicos envolvidos. A diretora Júlia Rezende também mostra bom domínio do ritmo, com as gags se sucedendo de forma fluida e poucos momentos arrastados.

O uso de ambientes autênticos, o cruzeiro italiano Costa Favolosa e locações no Marrocos e na Itália, dá ao filme um aspecto de produção mais ambiciosa do que é padrão para as nossas comédias. E o elenco – o destaque óbvio é Fábio Porchat, um dos melhores comediantes em atividade no Brasil, e o que tem maior tempo de tela. Mas todos os atores têm experiência no gênero, a condução de Rezende é segura e não há grandes diferenças de abordagem. Só Miá soa um pouco mais artificial e exagerada que os demais.

Num filme tão comprometido com o seguro, a falta de riscos, os defeitos são modestos. Nem todas as situações funcionam a contento – as intervenções do casal de trapaceiros vivido por Inez Viana e Marcelo Valle são cansativas –, e o próprio fato do filme espelhar demais as suas tradições de gênero cria aquela sensação de você já ter visto aquilo outras vezes, e melhor. Mas, dentro da sua despretensão e no seu ritmo agradável, Meu Passado Me Condena é uma das raras comédias do cinema brasileiro em 2013 que dá pra assistir sem culpas – e até rir de verdade.