Você pode nunca ter tomado um susto com alguém surgindo no espelho do banheiro, ou ter precisado desarmar uma bomba nos últimos segundos (com um relógio digital pra te manter informado, inclusive) ou, ainda, simplesmente ter tirado os óculos e alisado o cabelo para se tornar a garota mais linda da cidade, mas os personagens do mundo do cinema já passaram (e muito) por isso.

Sim, a linguagem cinematográfica é feita, por natureza, de convenções que nos ajudam a compreender os filmes e mover as histórias para frente. Porém, tem certos elementos que os espectadores já viram tantas vezes que ninguém aguenta mais, seja em termos de estrutura narrativa ou escolhas visuais. Essas ideias recorrentes são os clichês, usados muitas e muitas vezes no cinema e na TV, seja por pura preguiça e falta de criatividade, seja propositalmente, para fins de subversão ou de brincadeira metalinguística.

Às vezes, porém, por mais clichê que o filme seja, o resultado dá mais certo que o esperado. Pensando nesses momentos raros, mas que acontecem, o Cine Set preparou uma listinha de cinco casos em que um (ou vários) clichês foram bem usados no cinema:

1. “Era tudo um sonho”: O Mágico de Oz (1939)

A princípio, não há clichê mais desonesto que a ideia de que, no final, tudo não passou de um sonho. Principalmente em filmes de fantasia ou de ficção científica, esse elemento é usado no final da trama para revelar que toda a história não passou de um sonho do protagonista – Click (2006) e O Advogado do Diabo (1997) são filmes conhecidos que fazem isso, por exemplo, e A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2 (2012) usa o mesmo clichê para retratar uma “batalha final” que na verdade nunca aconteceu.

Mas sabe quem faz isso sem deixar um gostinho de raiva no espectador? O Mágico de Oz, lá em 1939, com Judy Garland em sua viagem pela estrada dos tijolos amarelos. O encanto da clássica aventura infantil é mantido até o final da história, mesmo que Dorothy acorde em sua cama e ouça de sua família que toda sua jornada não passou de um sonho. Vale lembrar também que, no livro original, Oz realmente existe, uma vez que Dorothy retorna para lá outras vezes.

Outros bons exemplos que usam o mesmo clichê, mas de maneiras mais ou menos abertas que dependem da interpretação do público são O Labirinto do Fauno (2006) e Psicopata Americano (2000).

2. A história de superação do underdog: Rocky – Um Lutador (1976)

A figura do underdog é, basicamente, o personagem rejeitado pela sociedade, pobre, que aparece principalmente em filmes de esporte como o protagonista que dificilmente vencerá a competição em questão, mas que, na maioria das vezes, consegue superar suas dificuldades. De Karatê Kid (1984) a Jamaica Abaixo de Zero (1993) já usaram esse recurso.

Quem segue à risca todo o clichê da trajetória de superação, com direito inclusive à clássica montagem de cenas de treinamento ao som de uma música inspiradora, é Rocky – Um Lutador (1976), que rendeu a Sylvester Stallone seu personagem mais icônico no cinema. A despeito da estrutura convencional, tudo funciona na história do boxeador e o detalhe mais bonito reside talvez no fato de que, mais importante do que uma vitória final, o filme celebra o esforço e a vitória interna do protagonista – o Ivanildo Pereira já falou mais sobre isso, e melhor, aqui no Cine Set.

3. A Manic Pixie Dream Girl: Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004)

Conforme descrito pelo crítico Nathan Rabin, que cunhou o termo em um texto sobre Tudo Acontece em Elizabethtown (2005), a Manic Pixie Dream Girl (ou, como eu gosto de chamar, a “garota especialmente diferente”) é um estereótipo usado para personagens femininas que “existem apenas na imaginação fervorosa de autores e diretores sensíveis a fim de ensinar jovens homens a abraçar a vida e seus mistérios infinitos e aventuras”. Ou seja, são personagens relegadas a segundo plano que servem exclusivamente para ajudar no amadurecimento dos protagonistas homens, mas nunca se desenvolvem junto com eles – podem entrar, (500) Dias com Ela (2009), Quase Famosos (2000), Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), Hora de Voltar (2004) e o mais recente Cidades de Papel (2015).

Em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004), a personagem vivida por Kate Winslet, Clementine, tem tudo para ser uma garota especialmente diferente, desde seus diálogos inspirados com Joel (Jim Carrey) até seus gostos peculiares, sua impulsividade e seu cabelo instável que passa por diferentes cores ao longo da projeção. Clementine, no entanto, tem sua própria narrativa e desenvolvimento, ao passo que o filme traça reflexões sobre amor, memória e esquecimento e a dinâmica dos relacionamentos.

Não à toa a personagem diz a Joel, em um dos diálogos mais lembrados do filme, que não está ali apenas como um complemento a ele, mas tem vida própria: mais que um conceito para outros homens, Clementine está apenas à procura de sua própria paz de espírito.

4. A final girl e as decisões estúpidas de personagens de filmes de terror: O Segredo da Cabana (2012)

Filmes de terror slasher têm, como tradição, o componente da final girl: a mocinha pura e virginal (embora isso nem sempre seja pré-requisito) que sobrevive ao psicopata mascarado ou qualquer ameaça equivalente no final do filme – insira aqui, por exemplo, desde as sobreviventes de Sexta-Feira 13, O Massacre da Serra Elétrica e Halloween até a Ripley de Alien.

Além disso, já vimos mais de uma vez filmes de terror em que o sucesso dos antagonistas depende exclusivamente da burrice dos protagonistas envolvidos: a péssima ideia de passar as férias numa casa claramente abandonada e mal assombrada, se enfiar na mata sozinho à noite, fazer sexo em local isolado no meio da noite, o momento clássico do carro que para de funcionar ou a brilhante ideia de achar que todos estarão mais seguros se separando para investigar a causa da treta do que juntos e protegendo uns aos outros. Tem até um falso trailer parodiando todas essas escolhas questionáveis de personagens de filmes de terror.

Com roteiro de Joss Whedon (sim, Os Vingadores), mais que vacinado na cultura pop, nerd e afins, O Segredo da Cabana (2012) brinca com todas essas convenções ao contar a história de um grupo de amigos que vai passar um fim de semana numa cabana abandonada, onde acaba sendo perseguido por zumbis malignos. Conforme a trama se desenrola, o filme apresenta um motivo peculiar para explicar todas as decisões estúpidas que os protagonistas tomam, com direito a sacadas metalinguísticas que rendem uma narrativa igualmente assustadora e engraçada (dizer mais seria correr o risco de dar spoiler, então prefiro deixar a dica aqui).

5. Princesas, amor à primeira vista e o poder do verdadeiro amor: Frozen (2013)

Sim, você pode ainda sofrer da ressaca-Let-It-Go anos depois, mas sinto informar que Frozen (2013) está na lista! Depois de toda uma história de produções Disney fundamentadas em princesas relegadas a mocinhas em perigo dependendo dos príncipes pelos quais se apaixonaram perdidamente à primeira vista, Frozen trouxe a história de não só uma, mas duas princesas em perigo!

Brincadeiras à parte, embora a animação pareça recorrer aos mesmos clichês perpetuados há décadas pelas animações do estúdio, algumas diferenças e brincadeiras metalinguísticas trazem frescor à história das princesas Anna e Elsa. Anna, por exemplo, se apaixona perdidamente por Hans logo após conhecê-lo, e isso se torna um fato questionado por quase todos os personagens ao longo do filme, o que também abre espaço para um plot twist em relação ao verdadeiro vilão da história. Além disso, a protagonista toma as rédeas da aventura no resgate de sua irmã, que também leva eventualmente à tradicional solução de contos de fada: apenas o poder do verdadeiro amor pode salvar Anna, mas o amor aqui não é de natureza romântica, e sim fraternal, reforçando o relacionamento das duas protagonistas em Frozen e colocando o filme no último lugar da nossa lista de clichês que deram certo.

Lembra de mais algum exemplo em que um clichê foi bem usado ou subvertido? Deixa aí nos comentários!