“Assassinos da Lua das Flores” está entre nós, e é mais um belo filme do mestre Martin Scorsese, no qual ele faz seus dois grandes “musos inspiradores” contracenarem pela primeira vez num trabalho dele, os astros Leonardo DiCaprio e Robert De Niro.

Às vezes, acontecem no cinema umas relações especiais entre atores e diretores, nos quais um parece energizar o outro do ponto de vista criativo, e juntos eles conseguem realizar algo mágico que provavelmente não conseguiriam sozinhos. Aconteceu com Marcello Mastroianni e Federico Fellini, Toshiro Mifune e Akira Kurosawa, Penélope Cruz e Pedro Almodóvar, Cary Grant e Alfred Hitchcock, Liv Ullmann e Ingmar Bergman… É algo que vai além da mera afinidade ou amizade, é um relacionamento artístico de duas personas tão em sincronia que são capazes de voos muito altos.

Com Scorsese aconteceu duas vezes, o que é difícil de se ver por aí. Mas ambas as parcerias que o diretor estabeleceu marcaram a história do cinema. Então, sem mais delongas, vamos revisitar as obras da parceria Scorsese/DiCaprio.

5. Gangues de Nova York (2002)

Foi De Niro quem apresentou Scorsese a Leonardo DiCaprio – os dois atores tinham contracenado no bom drama O Despertar de um Homem (1993), e o diretor acabou chamando o jovem astro para estrelar um dos seus projetos de sonhos. Porém, talvez Scorsese tenha sonhado demais, pois Gangues de Nova York é, na minha opinião, o único tropeço real da sua carreira. Apesar do seu retrato grandioso da formação de NY – e de um país – por meio da guerra de gangues das Cinco Pontas, a trama é muito clichê e há concessões para tornar a experiencia mais palatável – a personagem de Cameron Diaz não tem função na história, e claramente está lá só para que não vire um filme só de marmanjos. E vamos falar a verdade, DiCaprio ainda precisava comer um pouco mais do proverbial feijão como ator – ele é facilmente engolido aqui por Daniel Day-Lewis.

4. O Aviador (2004)

O segundo filme da dupla apontou que coisas melhores viriam: O Aviador, baseado na juventude do magnata Howard Hughes, é outro belo estudo de personagem, de um homem que é o seu próprio pior inimigo e de quem ele nunca conseguirá escapar. Com um grande elenco e uma requintada produção, a visão de Scorsese para as primeiras décadas da vida de Hughes é parte homenagem ao cinema, parte mergulho numa psique que vai se esfarelando ao longo da história. E DiCaprio aqui está sensacional.

3. Os Infiltrados (2006)

Este foi o longa que, enfim, rendeu a Scorsese o Oscar de direção, mas falemos a verdade, não é nem de longe o seu melhor filme. Mas para DiCaprio é outro tour de force, no qual ele vive um cara que vai se enveredando cada vez mais na teia de policiais e bandidos em Boston até quase perder a noção de quem é. Dentre todos os atores do longa, a Academia optou, sabe lá por que, indicar Mark Wahlberg ao Oscar, mas é DiCaprio quem fica acima dos outros, até mesmo do gangster pirado – e inspirado – da lenda Jack Nicholson. E mesmo não se situando entre os melhores do diretor, ainda é um filme policial diferenciado e poderoso, e demonstra uma sincronia entre astro e cineasta semelhante àquela que Scorsese tinha com seu antigo astro. É aqui que a parceria se consolida de vez.

2. Ilha do Medo (2010)

Como exercício de suspense, Ilha do Medo é um ótimo filme. Mas é como exercício de subtexto que ele realmente se sobressai e fica na mente do espectador. É uma experiência desconcertante – com até alguns erros de continuidade propositais para perturbar o espectador – e também um exame sobre culpa disfarçado dentro de um suspense de Hollywood. Contando com mais uma ótima atuação de DiCaprio, o filme talvez mostre o mais claro anti-herói de Scorsese, literalmente o homem que é o pior inimigo de si mesmo. Assim como outros que o antecederam, ele aprende a fazer as pazes consigo mesmo.

 2. Assassinos da Lua das Flores (2023)

Apesar de ter De Niro, e de ele estar muito bem, DiCaprio é o protagonista desta visão trágica sobre um incidente terrível da história norte-americana, os assassinatos dos indígenas da tribo Osage devido ao petróleo descoberto em suas terras. Junto com o roteiro e a direção, o personagem dele não perde a complexidade: corrupto e venal, mas ao mesmo tempo capaz de amor pela sua esposa, e vítima – a excepcional Lily Gladstone. Acima de tudo, o filme mostra o quanto a parceria evoluiu: tanto o ator principal quanto a direção estão absolutamente seguras e em sincronia.

 1. O Lobo de Wall Street (2013)

Crítica: O Lobo de Wall Street

Este ainda é o filme número 1 da parceria DiCaprio/Scorsese. É ultrajante, diverte na mesma medida em que provoca e os cinismos tanto do diretor quanto do astro principal estão no mesmo comprimento de onda. Contando com a melhor atuação da carreira de DiCaprio, O Lobo de Wall Street é uma visão ácida e refinada do capitalismo nosso de cada dia e da riqueza vazia a que almejamos – sim, nós, porque ao final o diretor e o ator viram o espelho na nossa direção.