Em 2007, estreou no canal a cabo americano AMC um seriado ambientado nos bastidores do mundo publicitário da década de 1960 chamado Mad Men. Porém, nem todo mundo acreditava no projeto. O criador da série, o roteirista e produtor Matthew Weiner, tinha oferecido a proposta do programa para a HBO – onde ele trabalhou por alguns anos como roteirista do aclamado seriado Família Soprano. A HBO, no entanto, não se interessou.

Weiner teve melhor aceitação no AMC porque o canal, até então pequeno e conhecido apenas por reprises de filmes hollywoodianos, queria iniciar a produção de conteúdo próprio. O AMC estava disposto a abrigar ideias diferentes, por isso financiou o episódio piloto de Mad Men, e depois a primeira temporada.

E que piloto estranho. No início da série, é 1961 e de cara somos jogados no universo dos “Mad Men”, como eram conhecidos os publicitários e executivos que trabalhavam na Madison Avenue, em Nova York. O protagonista da série é Don Draper, interpretado por Jon Hamm. O conhecemos na prática, enfrentando uma controvérsia referente a anúncios de cigarros e impressionando a dona de uma loja de departamentos. Também o vemos envolvido sexualmente com uma artista e, ao final do episódio, ele volta para casa e a sua família perfeita – sua esposa Betty (January Jones) e seus dois filhos.

Don Draper é definido por uma tristeza e uma visão pragmática da vida. No primeiro episódio ele diz: “vivo como se não houvesse amanhã, porque na verdade não há”. Essa visão e sua personalidade foram moldadas pela sua triste história de vida. E de fato, na sua primeira temporada Mad Men usou o mistério em torno de Don Draper como gancho para “fisgar” a audiência. Descobrimos ao longo dos episódios que seu nome verdadeiro é Dick Whitman, que ele teve uma infância sofrida e que literalmente vive uma mentira, pois roubou a identidade de Don Draper de um colega de exército morto na Guerra da Coréia.

Porém, se Don é um homem preso ao passado, a outra grande personagem da série começou olhando para o futuro. No primeiro episódio Peggy Olson (Elizabeth Moss) chega à firma de publicidade Sterling Cooper como mais uma secretária. Ao longo das temporadas, no entanto, ela galga posições cada vez mais importantes (e criativas) dentro da empresa. De todos os personagens de Mad Men, Peggy é a que melhor representa as mudanças pelas quais a sociedade americana passou na década de 1960.

E mostrar como a sociedade mudou sempre foi uma das características principais de Mad Men. Ao longo dos anos, os personagens que viviam numa “bolha” acabaram por vê-la sendo invadida por eventos como a crise dos mísseis em Cuba, a luta pelos direitos civis e os assassinatos de John Kennedy e Martin Luther King. Peggy teve um filho mesmo sendo solteira, mas persistiu e conseguiu se tornar diretora-criativa, chegando a um ponto onde apenas homens conseguiam. Outros personagens se divorciaram. O casamento do próprio Don chegou ao fim na terceira temporada, e depois ele se casou com a sua secretária, Megan (Jessica Paré). Esta, no entanto, difere da primeira esposa do protagonista por ter uma vida e uma carreira independentes do marido. Em vários momentos, Mad Men acaba sendo um exemplo da televisão refletindo sobre a sociedade que a produziu, algo que nós brasileiros apenas muito raramente vemos na nossa produção televisiva.

Porém, o verdadeiro assunto da série é algo mais universal. Em Mad Men, Matthew Weiner na verdade quer examinar o mal estar emocional e a eterna insatisfação do ser humano, algo que também era o assunto principal em Família Soprano, de quem a série publicitária pode ser considerada a herdeira espiritual. Don Draper tem tudo para ser feliz, no entanto não o é. Assim como outros personagens do seriado, ele está sempre insatisfeito e em busca de algo além do mero conforto material. Portanto, ele se torna uma figura que está em constante reinvenção. As mudanças na empresa e na sua vida pessoal, presenciadas ao longo das temporadas, espelham a capacidade do protagonista de conseguir mudar a si mesmo e ao mundo ao seu redor, embora a eterna insatisfação logo o faça voltar a cometer os velhos erros.

É um seriado praticamente sem “trama”, no sentido mais tradicional do termo. De fato, em várias temporadas o espectador vê em Mad Men algo como uma coletânea de histórias envolvendo aqueles personagens. Assim, vemos o amadurecimento de Sally (Kiernan Shipka), a filhinha dos Draper; vemos os problemas do carismático Roger Sterling (John Slattery), um dos donos da agência e um homem tão divertido quanto vazio; e a luta de Joan Holloway (Christina Hendricks) para se destacar e crescer no ambiente machista em que trabalha.

Todos os personagens de algum modo cativam o espectador, e são interpretados por um elenco talentoso – vários dos atores, como Hamm, Hendricks e Jones, tiveram as carreiras impulsionadas pela série. Embora Mad Men nunca tenha se tornado realmente um grande sucesso de publico, a série tem vasta repercussão da crítica e atrai uma audiência qualificada. Mad Men venceu três vezes o Globo de Ouro de série dramática – pelas suas três primeiras temporadas, consecutivamente – e duas vezes o Emmy, pelas terceira e quarta temporadas.

E a série também acabou sendo o pilar que sustentou o canal AMC: um ano após a estreia de Mad Men, o publico do canal passou a acompanhar outra série de premissa incomum, a de um professor de meia idade que se torna traficante de drogas em Breaking Bad, considerado com justiça um dos grandes seriados de todos os tempos. O AMC viu também o sucesso de The Walking Dead, hoje um dos programas mais assistidos em todo o mundo. Tudo isso só foi possível graças a Mad Men.

A sutileza dos roteiros, as brilhantes performances dos atores e a visão de mundo ora cínica, ora emotiva e, por vezes, bem-humorada, fizeram de Mad Men um seriado muito especial. É verdade que na sexta temporada a série começou a repetir alguns temas e teve alguns momentos estranhos que não pegaram bem, mas o brilho da série continua firme. Agora que Mad Men se aproxima do fim com a sua última temporada – embora não seja realmente o fim, pois os episódios finais só serão exibidos em 2015 – a jornada daqueles personagens se aproxima do término, assim como a década mais tumultuada do século XX, vista pela ótica de Matthew Weiner e sua equipe.

Não se pode esperar realmente um final feliz para Don Draper, pois isso iria de encontro a tudo que foi mostrado na série até então. A “pulga” que lhe morde a alma e o deixa eternamente sozinho não deve realmente parar de incomodar. Mas podemos esperar que ele encontre alguma paz, assim como Peggy, pois ela seguiu os passos do seu “mestre”, mas sem cometer os mesmos erros. E podemos ter certeza que Don se reinventará novamente. Isso torna a história dele estranhamente otimista, pois Mad Men mostra que a mudança é sempre possível. As pessoas podem mudar suas vidas. Demonstrar essa ideia deverá ser o maior legado desta grande produção.