As dores do crescimento e os fantasmas da guerra dão o tom de “The Boy and the Heron”, novo filme de Hayao Miyazaki. Exibida no Festival de Londres deste ano após passagens em Toronto e San Sebastián, a produção marca o retorno do animador japonês à direção de longas-metragens depois de uma década e serve como um sumário remixado de seus temas favoritos, feito sob medida para os fãs.

A ação aqui gira em torno de Mahito, um menino que se muda para um pequeno vilarejo depois da morte da mãe durante a Segunda Guerra Mundial. Lá, um homem magicamente disfarçado de garça lhe diz que a mãe ainda está viva e que ele pode levar Mahito até ela. Ao aceitar o convite, o rapaz acaba em um mundo fantástico onde tem que lutar não só para achar a mãe, mas também para voltar para casa. 

LOGÍCA ONÍRICA

Como roteirista, Miyazaki tende a explorar temas por meios mais visuais do que narrativos. Essa é uma das razões pelas quais seus filmes são emocionantes de serem assistidos, mas difíceis de serem descritos. Também por esse motivo, seu cinema encontra o pano de fundo perfeito na fantasia – um gênero no qual simbolismos são mais importantes que a trama.

Em “The Boy and the Heron”, a grande aventura de Mahito é a busca por um ente querido – e por uma inocência que se perde no duro processo de amadurecimento. Enquanto lida com o luto e tenta achar sua missão na vida, ele encontra personagens que espelham pessoas do seu mundo e interage com diversas gerações da família. A lógica deste universo paralelo é claramente onírica.

Miyazaki usa esse contexto para encher este filme de referências aos seus projetos anteriores. O espectador mais atento poderá ver traços do mundo elástico de “A Viagem de Chihiro“, das criaturas fofas de “Princesa Mononoke”, e do contexto histórico de “Vidas ao Vento”, por exemplo.

CRIANDO UM MUNDO MELHOR

Combinado com o forte teor autobiográfico da trama, a impressão é de que o cineasta está reavaliando sua vida através da arte e tentando fazer perguntas importantes para as gerações futuras, assim como as anteriores fizeram à dele. A mais clara delas é: como você vive e como pode criar um mundo melhor?

No filme, essa pergunta aparece em uma forma alegórica, com um parente distante de Mahito pedindo para que ele crie um mundo equilibrado e sem conflito, mesmo com os seus arredores se destruindo. É o mesmo pedido feito aos japoneses da década de 1940 e, de certa forma, a todas as pessoas do planeta em qualquer momento da história: construa um futuro que seja melhor do que o presente.

“The Boy and the Heron” funciona como aventura juvenil, mas também como uma reflexão sobre como levar a vida diante de um mundo trágico fora de controle. Ele é um filme que admite que certas dúvidas jamais serão sanadas, mas que existe uma certa magia na eterna tentativa de respondê-las.