É bom ver o lançamento de Albatrozum filme nacional que estimula o público a pensar “fora da caixa” e sair da zona de conforto da fórmula mainstream que lota os multiplex dos shoppings centers da cidade. Dirigido por Daniel Augusto (responsável pela biografia de Paulo Coelho, Não Pare na Pista), o suspense estrelado por Alexandre Nero foge por completo em oferecer um cinema “mastigado” ao público, já que esta mais interessado em promover uma experiência diferenciada para quem adentra na sua sala.

“Albatroz” é ambicioso em perturbar o público por embaralhar realidade, sonho e delírio dentro da sua história. É consciente na sua intenção em apostar no risco de uma narrativa fora do tradicional e investir parte dos seus recursos na experimentação. É difícil até definir a trama do filme de uma forma coerente: Alexandre Nero é o fotógrafo Simão, casado com Catarina (Maria Flor), mas que se aventura com outras mulheres, a amante Renée (Camila Morgado) e um amor de infância, Alícia (Andrea Beltrão).

O filme também transcorre de uma forma episódica para mostrar a relação de fotógrafo com as mulheres no passado, presente e futuro. A partir daí o filme entra numa viagem weird na mente de Simão que precisa desvendar o sumiço da esposa, enquanto o público precisa decifrar o quebra-cabeça maluco do roteiro de Bráulio Mantovani, ícone do cinema policial-social nacional por ter roteirizado Cidade de Deus e os dois Tropas de Elites.

Dificilmente você vai encontrar no cinema nacional um filme tão assumidamente lynchiano. O texto de Mantovani caminha pelo nonsense, com forte presença de um eu lírico e uma narrativa que predomina a prerrogativa de sonho, todos os elementos presentes na escola americana David Lynch de fazer cinema. Há diversas referências aos filmes do cineasta, desde cenas que homenageiam Veludo Azul, a própria trama intricada (em alguns casos, até perdida) que remete Cidade dos Sonhos e Estrada Perdida, este último, sem dúvida, a maior fonte de inspiração de Bráulio e Daniel para o filme.

O espectador é constantemente colocado em desafio por “Albatroz”. A brincadeira de início é divertida com Daniel criando imagens sublimes que instigam o público a mergulhar em um mistério de uma história abstrata, que acaba facilitado pela nossa identificação com o magnetismo dos personagens e das cenas. Há uma linha tênue que o filme ultrapassa de vários subgêneros cinematográficos para apostar em conceitos inerentes do cinema cult e independente como o cinema noir, a ficção científica, o surrealismo alemão e o suspense político. Daniel costura tudo isso dentro de um escopo visual perturbador pelas fortes luzes azuis e vermelhas que são cadenciadas por uma direção de arte cuidadosa, que amplifica uma engenhosa montanha-russa de sentimentos audiovisuais no espectador

O roteiro conceitual de Mantovani mergulha em temas complexos que vão das questões ideológicas– o conflito entre Israel e Palestina e seus ataques terroristas – ao sensacionalismo e a ética da mídia para chegar à imersão sinérgica dos conflitos da mente humana que dão um tom de loucura ao filme por mesclar o real ao imaginário para questionar a realidade. Há diversas brincadeiras narrativas com o sonhar acordado e o filme até abraça nos seus trinta minutos finais, o onirismo para expor o cinema conspiratório dos primeiros filmes de David Cronenberg (Stereo e Videodrome), o experimentalismo de Abel Ferrara de Enigma do Poder e o suspense político de Sob Domínio do Mal de John Frankenheimer, da qual não duvido que Daniel e Bráulio tenham reverenciado diretamente em uma cena capital no último ato.

Só que as ousadias narrativas e as boas misturas cinematográficas não ajudam Albatroz a sobreviver ao naufrágio. Falta o essencial ao filme: organizar melhor suas ideias para tornar a produção em um cult conceitual interessante. As guinadas improváveis do texto levam propositalmente do nada ao lugar nenhum e a brincadeira inicial interessante, se perde a medida que se aproxima da sua conclusão.

Mantovani e Daniel, muitas vezes, tangenciam questões, porém, sem problematizá-las para uma reflexão mais profunda. Em vários momentos, o filme criar distrações visuais passageiras dentro dos cenários e das estéticas fílmicas, que deixa pouco espaço para o aprofundamento das motivações dos vários personagens. Falta uma grande objetividade ao longa-metragem que opta por escolhas equivocadas, onde os ciclos narrativos não se costuram e a trama sem fechamento ideal para nortear suas ideias principais – algo que é atrapalhado pela edição confusa e problemática que compete exageradamente com a própria história para ver quem mais chama atenção.

Não esperava que Daniel atingisse a mesma precisão de um Lynch, mas ver o próprio filme tropeçar na própria intelectualidade e transformar uma ideia interessante em uma bagunça generalizada acabam por incomoda muito. Fica a sensação que durante o processo, existia um bom filme que se perdeu pelo caminho, virando uma salada conceitual confusa, que não une suas pontas para levar o espectador a algum ponto de destaque.

Isso potencializa a decepção quando você observa o ótimo elenco estelar que o filme tem em mãos. É verdade que todos defendem muito bem seus personagens, até porque o elenco parece ter comprado à ideia de participarem de um filme diferente e longe da mesmice que impera no cinema nacional. Os destaques são Andréa Beltrão e Alexandre Nero que nadam bem dentro da loucura dos seus personagens, ainda que seja Maria Flor e Camila Morgado que se destacam no último ato.

“Albatroz” é um corpo estranho dentro dos lançamentos nacionais para o grande público e um caso particular de trazer atores globais dentro de um exercício de interpretação pouco comum na carreira dos mesmos – mesmo que não aproveite um elenco tão legal assim como faz com Alexandre Nero. É um projeto interessante que procura oferecer algo diferenciado ao público. Infelizmente, a tentativa de ser um experimento lynchiano dentro do cinema nacional se perde em um enredo confuso e que não aproveita os diversos desafios que oferece. Se no fundo a ideia de Albatroz” era ousar e desafiar a compreensão, ele é prejudicado gravemente pela sua própria ambição experimental.