Voo? Super-força? Invulnerabilidade? Nada disso. 2014 foi o ano em que os estúdios de Hollywood definitivamente resolveram se apropriar do maior poder dos super-heróis: o de atrair público para as salas de cinema. Foi neste ano que o Marvel Studios e a Warner Bros. anunciaram seus planos para iniciar uma verdadeira onda de filmes de super-heróis para os próximos anos. A Marvel virá com a sua “Fase 3”, trazendo novos personagens como Pantera Negra e Inumanos, e também novas aventuras do Thor, Capitão América e Vingadores. Já a Warner parece que vai finalmente pisar no acelerador a partir do lançamento do seu aguardado Batman v Superman: Dawn of Justice em 2016. Num futuro não muito distante, espere pelos filmes da Mulher Maravilha, do Flash, do Aquaman e da Liga da Justiça.

Marvel domina 2014 e DC Comics prepara a invasão nos cinemas

Ou seja, os super-heróis ficarão ainda mais presentes nos anos que virão. Hoje em dia, esses filmes atraem tanto publico e exercem tanta influência sobre outras produções de Hollywood, que se pode até falar nos super-heróis como um novo “subgênero” do cinema americano. Como todo subgênero, há os exemplares bons e maus. Alguns são marcantes e criativos, e há aqueles que buscam apenas reciclar velhas ideias ou apelar para a popularidade de algum herói.

O ano não pertenceu exclusivamente aos super-heróis, porém. 2014 viu o lançamento de outros projetos baseados em quadrinhos, como as continuações tardias dos sucessos 300 (2006) e Sin City: A Cidade do Pecado (2005) – enquanto 300: A Ascensão do Império agradou aos executivos da Warner com sua arrecadação nas bilheterias, Sin City 2: A Dama Fatal foi um dos maiores fracassos do ano.

Outro grande e, até certo ponto, inesperado sucesso do ano foi o filme das Tartarugas Ninjas. Criadas nos anos 1980 nos quadrinhos independentes de Kevin Eastman e Peter Laird, as Tartarugas estavam ausentes das telas desde os filmes com teor infantil dos anos 1990, mas voltaram em 2014 com força e via computação gráfica. As Tartarugas Ninja, produzido pelo “senhor blockbuster” Michael Bay, já tem continuação agendada para os próximos anos e parece ter agradado a boa parte do publico – a crítica, no entanto, não aprovou o filme.

jennifer-lawrence-x-men-days-of-future-past-promotional-photos-3-_5Porém, foram mesmo os super-heróis que dominaram, e aí vale a pena destacar as estratégias opostas adotadas pelos estúdios Fox e Sony. A Fox lançou X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, mais um capítulo da franquia dos heróis mutantes da Marvel, mas o projeto tinha uma visão clara e duas mentes veteranas da série no comando: o cineasta Bryan Singer e o roteirista Simon Kinberg. Dias de um Futuro Esquecido marcou o retorno de Singer ao mundo dos X-Men – vale lembrar que, com X-Men: O Filme (2000), o diretor efetivamente criou o filme moderno de super-heróis – e arrumou algumas inconsistências dos filmes anteriores com sua trama de viagem no tempo. O resultado foi um dos melhores filmes-pipoca de 2014, capaz ao mesmo tempo de aposentar com dignidade o elenco clássico da franquia e abrir novas possibilidades com os jovens atores que a assumiram, como Jennifer Lawrence, James McAvoy e Michael Fassbender.

Já a Sony se deu mal com O Espetacular Homem-Aranha 2, continuação do reboot das aventuras do mais popular herói da Marvel. O reinicio da série do Aranha provou ser um tiro no escuro, já que a trilogia original de Sam Raimi ainda está muito viva na memória do público, e este segundo filme, embora melhor que o anterior, ficou tão sobrecarregado de elementos e tramas – algumas delas prejudicadas por tolices, como a dos pais de Peter Parker – que o resultado é o de um blockbuster inchado e sem novidades. A Fox apostou na qualidade e na experiência, a Sony acreditou simplesmente que “mais é melhor”. Hoje em dia a franquia do Aranha na Sony está em estado de indefinição, e a Marvel parece cada vez mais próxima de conseguir recuperar o comando do seu mais icônico personagem. Pena por Andrew Garfield, cuja atuação como Parker/Aranha foi a melhor coisa dos dois filmes do reboot do herói.

E sobre a Marvel, pode-se dizer que 2014 foi o ano dela. Foi o ano em que a empresa se consolidou como uma das mais poderosas marcas do entretenimento mundial, como a Disney passou a ser a partir dos anos 1930, ou como a Pixar foi há uns 10 anos atrás – não à toa, hoje estão todas sob o mesmo conglomerado. O estúdio lançou Capitão América 2: O Soldado Invernal, nova aventura de um personagem já estabelecido nas telas, e depois mostrou sua força definitiva com o sucesso de Guardiões da Galáxia, um longa estrelado por personagens de uma HQ obscura que apenas os fãs mais ardorosos dos quadrinhos conheciam.

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Surpreendentemente, Guardiões foi o maior sucesso de bilheteria do ano, misturando humor, ficção e algumas doses de heroísmo estranho na sua narrativa. Foi ainda o primeiro longa do estúdio no qual se percebeu uma liberdade mais “autoral”, por assim dizer: James Gunn, o diretor, levou seu amor pelo trash e seu humor incomum, vistos nos seus trabalhos anteriores, para a mega-produção. Acima de tudo, Guardiões foi o filme que mostrou a vontade do estúdio em arriscar um pouco, e também provou que, hoje em dia, o publico de cinema está disposto a ver qualquer filme com o logo do Marvel Studios no início.

A Marvel hoje em dia é tão poderosa que virou tendência: outros estúdios estão tentando capitalizar na moda pós-Vingadores e querem estabelecer “universos cinematográficos”. Nos próximos anos veremos o estabelecimento do universo dos heróis DC; novos filmes dos Monstros da Universal, interligados e voltados para a aventura; e a expansão do universo de Star Wars com uma nova trilogia e uma porção de filmes isolados ambientados na galáxia que há muito tempo atrás já foi de George Lucas.

Por enquanto o publico não demonstra estar cansado dos filmes de heróis. Embora a enxurrada de produções do tipo nos próximos anos possa mudar esse sentimento – serão lançados pelo menos 29 filmes (!) do tipo até 2020, somando-se os planos da Marvel e da DC e os projetos dos estúdios Sony e Fox – o fato é que os heróis hoje são a força que sustenta Hollywood. Para os fãs e pessoas que cresceram lendo esses personagens, é uma época sem igual. Para os fãs de cinema, é um período ambíguo: para dizer a verdade, muitos filmes de super-heróis são bons e apresentam qualidade. Afinal, dois dos mais queridos personagens do ano foram um guaxinim falante e uma árvore ambulante em Guardiões da Galáxia. No entanto, a fixação de Hollywood em projetos do tipo pode resultar numa menor diversidade de histórias e propostas, e a grande exposição programada para os próximos anos pode levar ao desgaste do gênero. Isso, só o tempo dirá, e infelizmente Hollywood ainda não encontrou o poder de prever o futuro.

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