Não pude deixar de pensar em muitos filmes enquanto assistia “Milagre na Cela 7”. Para quem já conhece produções que tratam de injustiça, você vai encontrar e identificar diversos mecanismos narrativos esgotados em obras do gênero em seu decorrer. Remake de um sucesso sul-coreano, a nova produção do Netflix tem tudo para funcionar quem procura um jeito fácil de secar os canais lacrimais. Entretanto, a forma como busca esse efeito, talvez, seja esse o seu maior problema.

“Milagre na Cela 7” traz a história de Memo (Aras Bulut İynemli) e sua filha Ova (Nisa Sofiya Aksongur), moradores de uma pequena vila turca, mas existe algo de especial na relação. Com deficiência intelectual, o pai acaba sendo acusado de um crime que não cometeu e condenado à morte. Com amigos e pessoas compadecidas de seu caso, começa então uma corrida para encontrar a única testemunha que pode provar sua inocência.

SAÍDAS FÁCEIS

A superficialidade do roteiro em relação a certos aspectos atrapalha o drama dirigido por Mehmet Ada Oztekin. O casamento de Memo se torna um alívio cômico, a corrupção na Turquia indicada pela avó Fatma (Celile Toyon Uysal) fica restrita a uma rápida frase de indignação a um profissional da saúde e a própria deficiência do protagonista resumida à seguinte frase: “um cérebro com o tamanho de uma ervilha”.

Os artifícios para fazer o público chorar na marra e a simplificação da história pioram ainda mais “Milagre na Cela 7”.  Temos um vilão digno das piores novelas: sujeito desprezível que, mesmo sabendo da inocência do rapaz, usa sua condenação para a ascensão política. Apesar de ser óbvio a inocência dele, o nosso herói sofre o pão que o diabo amassou sendo espancado e posto em sofrimento constante. Mesmo assim, Memo mantém um ar esperançoso irritante e pouco crível durante as demoradas 2h12. Tudo, claro, acompanhado de frases expositivas e, claro, uma trilha sonora excessiva.

Essa busca desmedida para emocionar o público sabota “Milagre da Cela 7”. Afinal, a incapacidade de acreditar nos bons elementos da trama – especialmente, a química entre Memo e Ova e o interessante Plot Twist da reta final – para ficar em saídas fáceis empobrece o drama em cartaz na Netflix.  

Crítica | ‘Imaculada’: Sydney Sweeny sobra em terror indeciso

Na história do cinema, terror e religião sempre caminharam de mãos dadas por mais que isso pareça contraditório. O fato de termos a batalha do bem e do mal interligada pelo maior medo humano - a morte - permitiu que a religião com seus dogmas e valores fosse...

Crítica | ‘Abigail’: montanha-russa vampírica divertida e esquecível

Desde que chamaram a atenção com o divertido Casamento Sangrento em 2019, a dupla de diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett vem sedimentando uma carreira cinematográfica que mescla o terror sangrento do slasher movie com a sátira social cômica para...

Crítica | ‘O Dublê’ – cinema de piscadela funciona desta vez

David Leitch: sintoma do irritante filão contemporâneo do cinema de piscadela, espertinho, de piadinhas meta e afins. A novidade no seu caso são as doses nada homeopáticas de humor adolescente masculino. Dê uma olhada em sua filmografia e você entenderá do que falo:...

‘Rivais’: a partida debochada e sensual de Luca Guadagnino

Luca Guadagnino dá o recado nos primeiros segundos de “Rivais”: cada gota de suor, cada cicatriz, cada olhar e cada feixe de luz carregam bem mais do que aparentam. O que parece uma partida qualquer entre um dos melhores tenistas do mundo e outro que não consegue...

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...