Lançamento da Netflix, “A última carta de amor” é um romance baseado no livro da escritora britânica Jojo Moyes, que já possui outro livro adaptado para os cinemas, “Como eu era antes de você“, de 2016. A autora inclusive também é uma das produtoras do filme.

Acompanhamos o romance de Jennifer Stirtiling (Shailene Woodley), uma mulher infeliz com o casamento ao lado de um rico empresário, e Anthony O’Hare (Callum Turner), um jornalista encarregado de fazer uma entrevista com o marido dela. A narrativa, no entanto, apresenta duas linhas temporais para nos contar essa história: a primeira no passado em que aos poucos descobrimos os acontecimentos do relacionamento entre Jennifer e O’Hare, e a segunda nos dias atuais com a jornalista Ellie Haworth (Felicity Jones), que, por acidente, encontra nos arquivos do jornal onde trabalha as cartas trocadas entre os amantes.

“A última carta de amor” tenta estabelecer alguns mistérios para desenvolver sua narrativa. No início do filme, somos apresentados a uma Jennifer sem memória, recém-saída do hospital após se envolver em um acidente. Seu casamento é disfuncional e isso fica claro mesmo enquanto ainda não recupera suas memórias. Aos poucos, somos introduzidos ao seu romance com o jovem jornalista, iniciado em uma pequena cidade francesa, onde ela passa férias com o marido, Laurence Stirling (Joe Alwyn). Mesmo de férias, Laurence continua ausente, o que permite uma aproximação entre os amantes.

QUÍMICA COMOVENTE

O personagem de Joe Alwyn é, sem dúvidas, o mais caricato da obra. Um homem taciturno e controlador com uma voz tão baixa difícil até de compreender o que diz. É provável que sua personalidade tenha sido moldada mais para não sentirmos algum tipo de incômodo pela traição de sua esposa do que pensada para construir um personagem que não é digno da companheira que tem. Isso se mostra desnecessário, pois, o ponto alto do filme está justamente na interação entre o casal Anthony e Jennifer.

A fotografia levemente estourada, com uma luz que invade a tela a cada cena e eleva o romance a algo grandioso, fortalece a cada encontro a empatia por aquela relação, assim como o movimento de câmera que se aproxima da protagonista sem nunca propriamente chegar até ela, nos dando a sensação de incompletude que atinge a personagem.

É justamente numa tentativa vazia de moralidade, quando deixa de lado esse sentimentalismo que “A última carta de amor” se perde. O paralelo entre o romance do passado e a história de Ellie Haworth no presente em busca de desvendar os mistérios por trás das cartas deixa isso muito claro.

PARALELOS INCONSTANTES ENTRE PASSADO/PRESENTE

Toda a parte da obra focada no romance da jovem Jennifer com o jornalista é melhor trabalhada. Em alguns momentos, temos a sensação de que a trama da personagem de Felicity Jones é descartável, pois, não apresenta um apelo próprio suficiente e não interfere na trama de Jennifer e O’Hara, ao menos, não até bem perto do fim da película.

A estratégia de transpor aquela luz que invade as cenas do passado para o presente não funciona, assim como a tentativa infeliz de criar um romance, à sua maneira grandioso, para Ellie. Digo à sua maneira, pois, logo na primeira cena da jornalista, vemos uma mulher decidida em suas relações amorosas. Ela não busca compromisso e parece satisfeita dessa forma. Seu romance com Rory (Nabhaan Rizwan), o arquivologista do jornal, vai desmontando aos poucos a personalidade da jornalista. Esse movimento é justamente o contrário ao que acontece com Jennifer, que ganha cada vez mais vida conforme se relaciona com seu amante.

É simbólico, inclusive, que as primeiras interações entre Ellie e Rory sejam baseadas nas regras impostas para acessar os arquivos, as quais ela precisa aceitar logicamente. O filme parece cair naquele argumento das relações atuais não possuírem mais profundidade, dos amores líquidos de Bauman, mas que deságua em criar personagens femininas que não podem simplesmente transar e seguir a vida.

“A Última Carta de Amor” ganharia bem mais se seguisse sua própria fórmula e se aprofundasse no casal que está no presente, como faz com o casal que está no passado. Isso ajudaria a criar um filme que fosse além do trivial embora seus bons momentos façam valer a pena.

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