A primeira e única vitória de Roman Polanski na categoria de Melhor Direção no Oscar, em 2003, foi recebida em clima de euforia. No anúncio dos indicados, gritos e aplausos mais fortes para o cineasta responsável por “O Pianista”.
Quando Harrison Ford anuncia o polonês como vencedor, Martin Scorsese, Meryl Streep e, ironia do destino, Harvey Weinstein o aplaudem de pé. Polanski, claro, nem cogitou ir para a cerimônia em Los Angeles, afinal, seria preso já no aeroporto.
Avancemos no tempo 17 anos, agora, em 2020.
O César quis emular o Oscar em um roteiro semelhante: prêmio de Melhor Direção para Polanski com “O Oficial e o Espião” e a ausência do diretor ao evento. Porém, o cenário era outro:
A comparação da reação das vitórias de Polanski no Oscar 2003 e no César 2020 são retratos das claras mudanças sociais ocorridas ao longo dos últimos anos. Porém, boa parte da indústria francesa de cinema – assim como a parcela mais conservadora da sociedade mundial – insiste em fechar os olhos e seguir em frente como se nada tivesse ocorrido.
Vale lembrar sempre: Polanski não é suspeito ou há uma tentativa de difamação ou qualquer coisa parecida. O diretor polonês é CONDENADO pela Justiça dos EUA por ter estuprado (ele nega, alegando ter tido o consentimento) uma garota de 13 anos (ele tinha 43 na época). Para escapar de uma sentença mais pesada após passar 90 dias preso, fugiu para Paris e nunca mais pisou em solo americano. Outras três mulheres também já o acusaram do mesmo crime, inclusive, a atriz britânica Charlotte Lewis.
ESPERANÇA DE RESISTÊNCIA
Protagonista do excelente “Retrato de uma Jovem em Chamas”, Adèle Haenel sintetizou muito bem o significado das indicações de Polanski ao César: “estão cuspindo na cara das vítimas. É como se estuprar mulheres não fosse tão ruim assim”. Esse escárnio ganha ainda mais força com as conquistas obtidas por Polanski no César 2020: não apenas vencedor de Melhor Direção, mas, também de Melhor Roteiro.
É como se o cinema francês, marcado por seu viés filosófico, político e social do que a média vista mundo afora, através de seu evento mais importante mostrasse todo seu anacronismo. Um contrassenso, inclusive, com sua própria história vanguardista ao lembrarmos que o Festival de Cannes foi interrompido por não haver condições de se seguir com um evento de cinema em meio aos marcantes protestos de maio de 1968 e toda a ebulição social na França – Polanski, aliás, era um dos líderes do movimento.
Por mais abjeto que seja como ser humano e graves os crimes que tenha cometido, Polanski, como diretor de cinema, nunca será apagado. Trata-se sim de um cineasta brilhante com obras-primas inesquecíveis como “O Bebê de Rosemary”, “Chinatown” e “O Pianista”. Também não creio que deva ser impedido de fazer seus filmes, mas, acho mais do que justa toda a oposição contra ele e os investidores que queiram associar suas marcas aos longas do polonês. Consequências.
Porém, é inaceitável que uma premiação capaz de representar toda a indústria audiovisual de um país como a França queira colocar panos quentes e dar de costas para as mudanças sociais crescentes vistas na última década. O estrago somente não foi maior ao cinema francês graças à resistência de Adèle Haenel, capaz de deixar uma ponta de esperança de que haverá resistência.