Seria cômodo para “A Jaula” se conformar em ser um suspense como tantos outros ambientados em um único espaço com o protagonista preso na armadilha e correndo o risco de ser morto a qualquer momento por um algoz invisível. “Por um Fio”, “Enterrado Vivo” e “Culpa” são exemplares bem-sucedidos que poderiam servir de modelo.  

O longa dirigido por João Wainer (“Junho – O Mês que Abalou o Brasil”) e roteirizado por João Cândido Zacharias a partir da produção argentina “4×4” (2019), entretanto, arrisca-se ao trazer este filão para os dias infernais da era Bolsonaro com seus justiceiros urbanos e suas frases feitas surgindo para “combater a violência”. Se méritos sobram pela inteligência em adaptar este contexto social para um subgênero tão fastigado e na coragem de se posicionar diante de um cenário extremado como o nosso em uma produção mais mainstream, as limitações típicas deste tipo de filme impedem “A Jaula” de ser grandioso de fato e até correndo o risco de gerar uma dubiedade naquilo que deseja passar para o espectador. 

CHAY E NERO ENTREGAM TUDO

Em uma São Paulo dominada pela violência como alerta a apresentadora à la Datena vivida por Astrid Fontenele (ótima), Djalma (Chay Suede) encontra em um carro importado preto, parado em uma pacata rua, a oportunidade de realizar um assalto e ganhar uma grana. Tudo vai bem até demais, porém, ele deixa a porta do carro fechar. Poderia ser apenas um pequeno descuidado não fosse o veículo completamente blindado, impossível de sair a partir do momento em que tudo está travado – nem submarino nuclear seria tão inacessível. O pobre coitado caiu em uma armadilha e não sabe até receber a ligação de um médico (Alexandre Nero) informando que ele somente será liberado na hora em que o doutor achar conveniente. Seria uma forma de se vingar dos mais de 20 assaltos sofridos ao longo da vida. 

“A Jaula” traz um senso de urgência típico de filmes do gênero que joga o público de imediato no desespero do protagonista. Saímos dos créditos iniciais direto para a entrada de Djalma no carro. Com pouco tempo, Wainer já consegue dar uma dimensão do anti-herói que estamos adiante, afinal, ele não passa a mão da cabeça do assaltante ao mostrar um sujeito narcisista, debochado e sem nenhum tipo de dilema moral sobre o que está fazendo – nota-se, inclusive, um certo orgulho de ser tão bom naquilo que faz. Não demora muito, entretanto, para o jogo virar e criarmos empatia pelo sujeito seja pelo simples fato de também estarmos presos com ele naquela angústia como, claro, nas torturas a que é submetido.  

Neste sentido, a claustrofóbica direção de fotografia de Leo Resende Ferreira sempre próxima ao protagonista e aos componentes do carro (talvez, você nunca mais olhe da mesma forma para o ar-condicionado do seu carro) e todo o trabalho do departamento de som criam a atmosfera precisa de angústia. “A Jaula”, porém, nada seria não fossem os protagonistas brilhantes: Chay Suede vai da confiança extrema ao medo e desespero até chegar no limite do desgaste físico e emocional de forma gradativa, dominando a tela em cada segundo em cena. Já Alexandre Nero solta cada expressão batida do bolsonarismo repleta de raiva carregada de deboche que tornam o médico um vilão quase cartunesco e, infelizmente e até por isso mesmo, tão real. 

 A ARMADILHA DA ARMADILHA

Pena o filme não resistir a armadilha deste tipo de produção e, a partir da metade, já não demonstrar fôlego suficiente para criar situações tão interessantes como vista no início. Complica ainda como “A Jaula” resvala, mesmo sem querer, no perigo de glorificar aquilo que condena, afinal, o roteiro oferece ao público muito mais sobre o médico e seus traumas do que do personagem de Chay. 

Desta forma, em certo momento, não me espantaria de ver uma parcela do público abraçar a linha de pensamento seguida pela figura nefasta do personagem de Nero, inclusive, passando a torcer para executar o rapaz por simplesmente entender mais suas absurdas motivações. Isso, claro, poderia ser um rico paradoxo sobre o retrato da nossa desumanização proposta por Cândido Zacharias, mas, falta “A Jaula” uma densidade maior para aprofundar suas discussões, sendo a caricatura a saída mais fácil – simbolizada pela presença mal explorada da negociadora da Polícia Civil interpretada por Mariana Lima, a qual possui desfecho tão abrupto levando a uma provocação barata de atirar para todos os lados. 

Com isso, as ótimas provocações perdem potência deixando o impacto da produção menor do que poderia ser. Ainda assim, “A Jaula” mostra caminho interessante do cinema brasileiro mainstream de adaptar subgêneros consagrados por Hollywood para a realidade sociopolítica do país com alta qualidade e elenco de primeira. Que saiam mais da mesma safra. 

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