Uma forma de ver “A Zona de Interesse”, novo filme de Jonathan Glazer, é lê-lo como a observação de uma família que encontra um paraíso e se empenha em mantê-lo. Essa leitura simples, no entanto, é um tanto míope: o novo projeto do cineasta britânico, ganhador do Grand Prix em Cannes e exibido no Festival de Londres deste ano, é na verdade um retrato incômodo da banalidade do mal.  

O longa acompanha os esforços de Rudolf e Hedwig Höss (Christian Friedel e Sandra Hüller) para construir uma vida idílica junto dos filhos em uma casa de campo nos anos 1940. No entanto, o contexto altera dramaticamente esta premissa simples: Rudolf é um membro do alto comando nazista e seu pequeno Éden fica em Auschwitz, cujo campo de concentração ele comandava.  

O roteiro, escrito por Jonathan Glazer, adapta muito livremente o romance homônimo de Martin Amis. Em um estilo que remete à Stanley Kubrick em “O Iluminado”, o diretor ignora o triângulo amoroso, o centro do livro e, com isso, extirpa do material boa parte do que poderia ser considerado uma trama. O que fica é um estudo da rotina, das horas sem nada, das festas de bairro, da intimidade conjugal de genocidas. 

CAMINHO OUSADO 

O grande trunfo de “A Zona de Interesse” é evitar um discurso inflamado contra esses personagens e deixar que os detalhes falem por si só. Esse distanciamento narrativo é amplificado pelo trabalho do diretor de fotografia Łukasz Żal, que usa de câmeras estáticas e até de visão termal para dar um tom de circuito de segurança ao longa. 

Essas descrições podem dar a impressão de que pouco ou nada acontece em “A Zona de Interesse” – o que, de certa forma, é correto. Porém, a tensão causada por esses seres de dúbia moralidade é suficiente para manter o público com olhos grudados na tela durante os enxutos 106 minutos de projeção. 

Momentos particularmente difíceis não faltam: logo no início do filme, Hedwig se apropria de bens de judeus como se estivesse fazendo compras; mais tarde, Rudolf discute casualmente os benefícios de novas câmaras de gás. A todo momento, o simples muro que separa a casa de uma das maiores tragédias da história serve como pano de fundo, nunca recebendo particular importância.  

O longa, como seus protagonistas, não tem nenhum interesse em olhar para dentro do muro – o que reflete boa parte da mentalidade da população alemã da época. Na mesma linha, a violência aqui é largamente representada através de ruídos e gritos que vêm de fora de cena, reforçando a clássica regra cinematográfica que diz que o não-visto é a coisa mais assustadora.  

Essa decisão estilística reaviva a velha questão: como representar uma atrocidade como o Holocausto? Filmes como “Noite e Neblina”, de Alain Resnais, e “Shoah”, de Claude Lanzmann, argumentaram que ela não deve ser mostrada, mas fizeram isso defendendo as vítimas. “A Zona de Interesse” toma a mesma atitude – mas ousa ao mostrar o ponto de vista dos responsáveis.