Orbitando entre a ficção científica e o melodrama familiar, ‘Away’ estreia na Netflix como uma surpresa positiva não somente para os fãs de sci-fi, mas também para qualquer um que aprecie uma boa narrativa. Diferente de muitas produções atuais do streaming, a série protagonizada por Hilary Swank não precisa se apegar a muletas como ganchos finais ou reviravoltas contínuas pelo simples fato de conseguir criar uma história e personagens que valem a pena acompanhar.
“Away” acompanha a missão internacional de levar cinco astronautas para Marte. Comandados por Emma Green (Hilary Swank), a equipe precisa sobreviver aos contratempos da viagem enquanto lidam com o distanciamento familiar, algo que nem mesmo a comandante está totalmente preparada. Assim, entre o espaço e a Terra, a série acompanha a rotina dos astronautas e de suas famílias, revelando também as motivações pessoais para a missão.
Com a proposta de levar cinco nacionalidades diferentes à Marte, a missão inicia com estereótipos comuns sobre seus personagens: os Estados Unidos comandam com Emma, a qual logo tem sua liderança questionada pelo russo Misha (Mark Ivanir) e a chinesa Lu (Vivian Wu) (representando um pensamento bem típico nas narrativas norte-americanas), da mesma forma que o representante indiano Ram (Ray Panthaki) e o ganense-britânico Kwesi (Ato Essandoh) a apoiam cegamente. Por isso, é preciso passar dos primeiros dois capítulos para que a narrativa tenha a oportunidade de explorar mais densamente seus personagens.
Apesar de Emma ainda ser a protagonista, cada um dos personagens apresenta uma história bem construída ao final dos 10 episódios, contando com flashbacks e revelações pessoais. Assim, percepções variadas sobre os astronautas passam a ser possíveis como Misha e Lu, inicialmente presos ao estereótipo de antagonistas, tornam-se figuras carismáticas e complexas gradualmente ao mesmo tempo que Emma mostra suas fragilidades pessoais e de liderança.
Um quase sci-fi
‘Away’ é a primeira série de Andrew Hinderaker como showrunner e é perceptível a delicadeza na escrita vinda da experiência como roteirista de ‘Penny Dreadful’. Os roteiros, além de condizentes com a narrativa dos personagens, também buscam ao máximo fechar questões deixadas durante os episódios, conseguindo até mesmo se referenciar em momentos posteriores. Por outro lado, toda parte espacial e técnica sobre a missão é explicada de forma extremamente didática para o público e, para piorar, alguns problemas e soluções envolvendo o mau funcionamento da nave não convencem tanto quanto gostariam.
Embora sejam simples ou irreais, os problemas técnicos da missão são muito bem pensados a longo prazo. A forma como os empecilhos são analisados tanto pelos tripulantes quanto pela base da missão na Terra dinamiza tais conflitos. Além disso, os problemas se desenvolvem pensando em vários elementos narrativos como a fotografia e cenografia: grande exemplo disto é concepção visual da caminhada espacial de Emma e Ram, a qual além de abordar um problema presente em vários episódios, também desenvolve a trama dos dois personagens – este momento ainda confirma a grande máxima da série de que a parte científica sempre será deixada de lado para o verdadeiro foco assumir.
As relações humanas
Para Emma, a principal dificuldade de sua viagem é o distanciamento do marido Matt (Josh Charles) e a filha Alexis (Talitha Eliana Bateman), sendo a narrativa construída principalmente sobre isso. Neste ponto, existe uma dualidade muito grande de interesses já que Hilary Swank e Josh Charles brilham quando a trama fala sobre seu casamento, ao mesmo tempo, que os conflitos de Alexis desmotivam o público por sua falta de ritmo.
Sim, se o espaço tem Hilary Swank, a Terra tem a atuação muito bem colocada de Josh Charles. As cenas mais surrealistas onde os dois aparecem juntos na nave são grandes ápices durante os episódios, assim, a narração e a correspondência entre os dois por mensagem de voz nunca é tediosa ou repetitiva. Em contrapartida, todo desenvolvimento de Alexis é preocupante: “Away” possui um grande esforço em realizar uma boa construção da personagem, mas, ora isso ocorre de forma muito rápida, ora gradualmente, sendo bastante cansativo e tedioso, quando outros personagens mais interessantes existem.
Mesmo com dificuldades, “Away” consegue mostrar uma coesão narrativa muito grande no que diz respeito a seus personagens e a missão de chegar a Marte. Um dos melhores momentos definitivamente é o episódio cinco, o qual trata sobre o Natal e todo drama familiar pode vir à tona, sendo até mesmo um divisor de águas na temporada já que as últimas vídeochamadas são realizadas no episódio também, possibilitando um crescimento do relacionamento entre a tripulação no restante da temporada.
Depois de flertar com a temática espacial em ‘Perdidos no Espaço’ e ‘Space Force’, a Netflix apresenta mais uma boa opção de seriado com ‘Away’. Com a ficção científica em segundo plano, a produção pode ser um pouco frustrante para os fãs do gênero, mas, como um interessante drama familiar, ‘Away’ pode ser considerada tão boa quanto, por exemplo, uma ‘This Is Us’ da vida.