A figura do assassino profissional, metódico e frio, e muitas vezes super cool, faz parte do cinema. Já aparecia em westerns, em filmes de samurai… Um dos mais marcantes exemplares do cinema moderno veio da França: o matador frio como gelo de Alain Delon em (curiosamente) O Samurai (1967). Há as versões mais pop, como James Bond, e mais recentemente, John Wick. Temos os inúmeros assassinos profissionais no cinema oriental. Enfim, filmes e diretores sempre se interessaram por esse tipo de personagem, e agora chega “O Assassino”, do diretor norte-americano David Fincher em seu novo trabalho pela Netflix.

Na trama, acompanhamos o Assassino – é assim que ele é creditado e, ao longo da história, o vemos apresentando vários nomes em diferentes documentos de identidade. Interpretado por Michael Fassbender, no início do filme, ele está executando um serviço em Paris. Enquanto espera pela oportunidade perfeita de atirar no alvo, ouvimos seu monólogo interior – serão poucas as cenas em que ele conversa de verdade com outros personagens. Descobrimos que o sujeito tem um bom repertório de estatísticas e que um grande problema desse trabalho é o tédio – “se você não aguenta o tédio, é melhor fazer outra coisa”, ele diz. Percebemos que gosta de ouvir The Smiths e fica clara a personalidade cínica e perfeccionista. Também vemos que ele compra um Big Mac e come só o recheio, sem os pães.

Apesar de todo o cuidado, o serviço dá errado, em uma cena sensacional, e em retaliação, outros assassinos atacam a namorada dela, que mora na República Dominicana – a personagem é vivida pela brasileira Sophie Charlotte. Ele então embarca em uma busca por vingança, que vai levá-lo por vários países.

TOM GÉLIDO E DETALHISTA

A trama é simples, basicamente é aquela que já vimos outras vezes em vários outros filmes de ação. O diferencial é o toque de Fincher, e é apropriado que o diretor de suspenses modernos como Se7en (1995), Zodíaco (2007) e Garota Exemplar (2014), agora volte sua atenção para outro tipo de assassino – este longa é baseado na graphic novel francesa de Alexis Nolentz e Luc Jacamon, e o roteiro é de Andrew Kevin Walker, mesmo roteirista revelado por Se7en.

E é exatamente o filme que se esperaria sobre um assassino profissional dirigido por Fincher. Temos, como sempre nas obras do diretor, um requinte na fotografia – trabalho de Eric Messerschmidt, parceiro dele na série Mindhunter – e uma atmosfera de tensão criada pelo ritmo da montagem e pelo trabalho de som.

Mas é o tom cerebral, frio e detalhista da coisa toda que nos fazem ter consciência de que se trata de um filme do diretor. É um Fincher em um modo menos profundo, mas não menos intrincado. É o tipo de filme que gasta um tempo razoável mostrando como o protagonista consegue acesso à cobertura de um ricaço, clonando a entrada dele. E o faz isso praticamente sem diálogos, só apresentando a inteligência do Assassino.

À frente das câmeras, é um show de um homem só: Michael Fassbender, que andava sumido das telas, aqui parece mais androide do que quando viveu um de fato, nos longas mais recentes da franquia Alien. É curioso como Fincher e o ator fazem o possível para não tornar o Assassino uma figura charmosa: o figurino de turista dele no início está longe do tradicional terno bem cortado que geralmente vemos nos assassinos do cinema. Mas o personagem acaba sendo cool mesmo assim por ser inteligente, focado, fora a atuação de Fassbender, que o vive como uma figura gelada e sem alma, e mesmo assim é capaz de prender nossa atenção.

REFLEXO DO PRÓPRIO DIRETOR

Claro que não há nada de novo em O Assassino, para quem já viu meia dúzia de filmes: de fato, em alguns momentos, ele até parece uma releitura de O Samurai, mostrando o cotidiano daquela figura e os seus processos mentais com detalhes. Assim como no clássico francês, por um tempo vemos o mundo pelos olhos desse tipo de personagem, mas é óbvio que Fincher e Fassbender não estão percorrendo nenhum terreno inexplorado aqui.

Porém, em meio às (poucas) cenas de ação e até um certo tédio – ei, o protagonista avisa isso logo nos primeiros minutos – e à curiosa participação de Tilda Swinton como uma profissional rival, O Assassino acaba deixando transparecer um pouco do seu realizador. Afinal, é a história de um sujeito obsessivo, metódico e perfeccionista, e David Fincher já foi chamado dessas coisas algumas vezes ao longo dos anos, por diferentes colaboradores, e não de forma totalmente elogiosa.

O protagonista também repete diversas vezes “Esqueça a empatia”, como um mantra, mas mesmo assim esse sujeito, que também não gosta de improvisar, acaba tendo que fazê-lo. O cara sem empatia está lutando para vingar a namorada, ou porque tentaram acabar com ele por causa de um erro? Seu orgulho sequer permite um erro? Essas são perguntas que o longa deixa sem resposta e, no fim das, contas isso pode dizer algo sobre o diretor ou o seu processo criativo, e como ele pode ter mudado com os anos. Quem diria, de um mero exercício de suspense, O Assassino talvez seja o filme mais pessoal de David Fincher até hoje.