Quis o destino que minha sessão de “Elis & Tom – Só Tinha de Ser Com Você” caísse em um sábado. Sábado é dia de música no Centro do Rio. Todas as lojas de discos abrem, desde o Campo do Santana passando pela Tiradentes até chegar na Praça XV, onde uma feira de antiguidades toma conta do lugar todo sábado de manhã. Esse trajeto em linha reta é algo como a Marquês de Sapucaí do colecionador. 

Digo tudo isso porque, tendo gastado bem mais do que meu saldo bancário permitia em LPs, entrei no cinema com os dedos ainda marcados pelas sacolas que havia carregado de manhã. Fui recebido pela voz de Elis Regina, soando cristalina após a restauração do material filmado durante a gravação do seu antológico álbum com Jobim. Há algo de surreal – ou talvez até hiper-real – nesse tipo de restauração. 

A exemplo do “Get Back” de Peter Jackson, o diretor Roberto de Oliveira trabalha a partir de um rico material capturado durante momentos íntimos no estúdio (ao contrário de Jackson, a restauração em 4K das imagens não recebeu nenhum verniz de inteligência artificial que removesse o granulado ou outras “imperfeições”). 

A tal hiper-realidade vem justamente da clareza do som e imagem dessas figuras quase mitológicas que, por um lado, parecem-nos mais próximas do que nunca – rindo, discutindo, chorando; ao mesmo tempo em que a tal clareza reforça ainda mais a grandiosidade de ambos através do aparato do cinema – a tela gigantesca, o sistema de som monumental. Mais do que imersão, é algo como uma intimidade amplificada que só o cinema consegue criar. 

JUSTIFICANDO O ÓBVIO

Não seria preciso, portanto, mais do que a voz de Elis, os dedos de Tom e todo o rico material em 16mm à disposição para que se fizesse um grande filme. Mas por algum motivo, os realizadores não acharam que seria o suficiente. Primeiro, o filme perde uns minutos preciosos logo no início com um crítico do New York Times explicando por que “Elis & Tom – Só Tinha de Ser Com Você”, o álbum, é importante. Tolice: bastava deixar o material de estúdio correr solto. Depois, entra em uma de querer explicar para gente quem foi Tom Jobim. Chove no molhado. 

Vá lá: é até interessante o segmento que nos “apresenta” a Elis Regina, bem como a seu projeto frustrado de carreira internacional. Mas o que dá a tônica nesse caso é, além do didatismo, um certo vira-latismo. Como se não bastasse a Elis Regina ser Elis Regina, ela precisava do reconhecimento estrangeiro. Essa falta simboliza um fracasso – algo que a presença do tal crítico finalmente retificaria.

Perda de tempo, ainda mais quando se tem, repito, o brilhante material capturado no calor do momento, em Los Angeles, 1974, com aqueles dois gigantes ali, bem ali, e tudo o mais acontecendo. Eu até entendo a inclusão das entrevistas com produtores, arranjadores, técnicos, instrumentistas: todos acrescentam detalhes interessantes à história da produção do disco. Mas para que tentar justificar o tempo todo a grandeza de um disco que todo o país sabe que é grande?

Seria uma preocupação com a distribuição internacional do projeto? Pode ser. De todo modo, se os realizadores desejavam atestar a relevância perene de Elis e Tom, não precisavam buscar validação em Nova York. Bastava ir à Praça XV num sábado qualquer.