Com uma filmografia tão extensa e popular quanto si mesmo, Charles Chaplin afirmou em seu livro autobiográfico que gostaria de ser lembrado pelo singelo ‘Em Busca do Ouro’. O longa em questão pode até não ser o primeiro que nos vem à mente quando pensamos na genialidade de Chaplin, mas, com certeza, foi um de seus favoritos por mostrar Carlitos em sua melhor forma na comédia. 

‘Em Busca do Ouro’ apresenta Carlitos (Charles Chaplin) tentando a sorte como garimpeiro em meio a corrida do ouro no ano de 1898, no Alasca. No local, ele conhece Jim McKay (Mack Swain), com o qual enfrenta uma tempestade de neve e a dançarina Georgia (Georgia Hale), a qual torna-se seu interesse amoroso. Baseado em um acontecimento propriamente norte-americano, a trama ressalta exatamente comportamentos controversos de seus habitantes locais. 

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Mesmo com o humor pastelão presente em todas suas cenas, ‘Em Busca do Ouro’ mostra um lado mais crítico de Chaplin, o qual chega a quase gerar desconforto no público. Esse elemento é encontrado principalmente nas cenas em que destacam a luta por sobrevivência em um cenário inóspito contra a ganância de seus personagens. 

Apesar de ter sido relançado em 1942 com novos efeitos sonoros (feito que ganhou duas indicações ao Oscar), a trilha sonora do longa já se apresentava como uma característica notável em sua primeira estreia, fato que não se atribui somente à ausência de falas. Seja para criar a atmosfera de aventura ou para os momentos românticos, a música funciona muito bem, sendo inclusive interessante assemelhar o tom romântico utilizado tanto nos momentos com Georgia quanto nas poucas refeições feitas por Carlitos. 

MELANCOLIA AGRIDOCE 

Mais memorável que o próprio título do filme são algumas de suas cenas que mostram o estilo marcante de Chaplin na comédia. Além da dança com pés de pão, o grande destaque volta para as singelas críticas sociais com a icônica cena de Carlitos e McKay comendo um sapato cozido de forma quase gourmetizada. 

No decorrer de todo longa, é possível notar que cada uma das cenas protagonizadas por Carlitos são acompanhadas de humor, o qual, por vezes, também apresenta traços melancólicos. Essa característica relembra muito os curtas protagonizados por Chaplin, como se cada cena fosse um próprio curta com a intenção de entreter por si só. É claro que, se tratando de um longa, estes momentos criam um entendimento e mensagem final ao serem unidos. 

É este tipo de entendimento sobre o filme, seu equilíbrio entre humor pastelão e melancolia que tornam ‘Em Busca do Ouro’ uma obra a qual vale a pena ser revisitada após quase 100 anos de seu lançamento. Mesmo sem falas, a concepção de Chaplin assim como sua presença garantem um filme fácil de ser assistido, com um humor leve e que ainda é capaz de surpreender por suas sutilezas críticas. 

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