Os sentimentos caminham entre o sutil e o exagerado em Laços de Ternura (1983). Tanto os momentos engraçados quanto os mais dramáticos são sentidos com intensidade no filme de James L. Brooks. Pode até parecer pueril chamar de complexo um melodrama tão acessível, mas é nas nuances das relações que seus temas ganham contornos profundos: maternidade, ninho vazio, sexo, casamento, solidão, idade, luto. 

O melodrama tem um lugar especial no coração desta que vos escreve. Talvez por ter sido criada à base de novela mexicana? Pode até ser. Mas, olhando para os filmes que mais me tocaram ao longo da vida (e até os mais recentes, como Folhas de Outono, do ano passado), as cores definidas do melodrama sempre estão presentes de alguma forma ou de outra, e aí podemos ir de Maria do Bairro (1995) a Amor à Flor da Pele (2000). 

Neste sentido, Laços de Ternura surge como um filme de sentimentos bem definidos, mas que são expressos bem mais no olhar do que no diálogo. As palavras não ditas em um reencontro, a reprovação com um casamento fadado ao fracasso, a escolha de não contar sobre uma infidelidade, a compreensão de uma criança com a mãe que não pode pagar a conta do supermercado. 

Em uma história que passeia por décadas na vida de mãe e filha, é nesse não dito que Aurora (Shirley MacLaine, vencedora do Oscar pelo papel) e Emma (Debra Winger) encontram força, e é no olhar que sentimos a evolução de um relacionamento que vai de escolhas que soam como reflexos de rebeldia juvenil ao socorro na hora mais difícil.  

Acompanhar em paralelo os caminhos de mãe e filha só evidencia isso, já que tanto Aurora quanto Emma passam por um processo de redescoberta: rodeada de pretendentes, a mãe tem agência (e privilégio) para escolher estar ou não com alguém, e é justamente no mais inacessível que ela sente prazer pela primeira vez em muito tempo, enquanto a filha vive a solidão forçada de um casamento infeliz e, ao finalmente ser vista por um outro alguém, tem um breve respiro. 

Laços de Ternura pode ter sido o primeiro filme de James L. Brooks na cadeira de diretor, mas não dá para dizer que ele era um novato àquela altura. Expoente da TV, Brooks foi parte de uma era considerada revolucionária, com programas que fizeram história como The Mary Tyler Moore Show (uma espécie de Malu Mulher deles) e Taxi. No cinema, ele já havia estreado como roteirista no final da década de 1970, com o drama Encontros e Desencontros (nenhuma relação com o filme de tradução homônima de Sofia Coppola). 

Em Laços de Ternura, Brooks contou com o apoio de um time invejável, a começar por um elenco dos sonhos. Isso porque, além de MacLaine e Winger, o diretor e roteirista conseguiu Jack Nicholson para o papel do vizinho que se envolve com Aurora. O charme de Nicholson tornou irresistível um personagem que parecia emular sua figura de forma que outros trabalhos apenas tentaram. O resultado foi o segundo Oscar da carreira do ator (ele venceria ainda um terceiro em 1997, por outro filme de Brooks, Melhor É Impossível). O elenco tem ainda nomes em ascensão, como Jeff Daniels e John Lithgow, além do que poderia ser justificado como apenas uma participação afetiva de Danny DeVito.  

A parceria mais importante de Brooks no filme foi com a diretora de arte, roteirista e produtora Polly Platt, que se tornaria, pouco tempo depois, vice-presidente da companhia de produção do diretor. Em Laços de Ternura, Platt assina a direção de arte, em um trabalho que se alia ao tom solar do filme e resulta em uma combinação de tons pastéis quase que opostos à sobriedade de outros dramas familiares reconhecidos pela Academia até então, como Kramer Vs Kramer e Gente Como a Gente. Como conta a a autora Karina Longworth no podcast You Must Remember This, Laços de Ternura não é apenas uma obra de Brooks: estreante na direção de filmes, mas experiente na linguagem de TV, ele teve em Platt sua ponte para entender a linguagem cinematográfica. 

(adendo: o podcast de Longworth tem uma belíssima temporada sobre a carreira de Platt, e seus trabalhos que vão de A Última Sessão de Cinema a Pura Adrenalina, de Wes Anderson)

Com temas tão universais, Laços de Ternura não é lá tão diferente de outros melodramas amados pela Academia, como os citados no parágrafo anterior. Mas interessante mesmo é ver esse diálogo com filmes produzidos décadas depois. Tomemos como exemplo Menina de Ouro (2004), drama dirigido por Clint Eastwood que ganhou os mesmos Oscars de Filme, Direção, Atriz e Ator Coadjuvante que o filme de Brooks. Menina de Ouro também é um drama sobre almas que se reconhecem em relações difíceis e cheias de passado. Os dois filmes obedecem a estruturas semelhantes, com viradas que levam suas respectivas protagonistas ao limiar entre a vida e a morte, com escolhas difíceis no horizonte. 

O interessante é que os dois filmes também são opostos. O que os separa é a forma como as relações de classe são fundamentais na costura de cada uma de suas tramas. Em Menina de Ouro, Maggie é o fruto de um mundo cão que vive um sucesso considerado tardio e precisa proteger não apenas seu corpo, mas os poucos bens materiais que conseguiu em um breve espaço de tempo. Seu desfecho passa pelo confronto a uma família que não a apoia e que, mais que isso, debocha de seus feitos. 

Já em Laços de Ternura, Aurora é uma mãe solo que consegue oferecer conforto a Emma em todos os momentos. A jovem pode até passar por dificuldades financeiras ao deixar o ninho, mas ela sempre tem o colo de Aurora, que pode proporcionar à filha os melhores tratamentos de saúde e, sobretudo, a paz de saber que poderá partir e deixar suas crianças seguras.  

Um exemplo simples dessa diferença no retrato de classes é a clássica e repetida cena de Aurora gritando para que a enfermeira dê a injeção a Emma. Em oposição, no filme de Eastwood temos a aparição da família de Maggie no hospital, carregada de desdém e mero interesse no dinheiro da boxeadora. Essa disparidade pode ser compreendida ao pensarmos nos privilégios que cercam as personagens de Laços de Ternura. Ainda que Aurora seja mãe solo, precocemente viúva, ela mora em um belo casarão e tem a liberdade de viver a vida como bem deseja (e, caso as coisas apertem, tem um quadro de Pierre-Auguste Renoir que pode vender – a obra de arte também é uma lembrança de que Aurora vem de uma família com recursos financeiros). Já em Menina de Ouro, as sombras abraçam Maggie e é em uma glória breve que ela deposita as esperanças de um futuro digno para a mãe e os irmãos. 

É bonito ver como Laços de Ternura segue rendendo frutos aqui e ali. No recente Crescendo Juntas, de Kelly Fremon Craig (e produzido pelo próprio Brooks), os temas podem ser diferentes, mas dá para reconhecer uma reverência ao trabalho do diretor e roteirista. As conversas por telefone entre Margaret (Abby Ryder Fortson) e a avó, Sylvia (Kathy Bates), separadas por milhares de quilômetros de distância, não são muito diferentes da forma como vemos a comunicação entre Aurora e Emma. Tanto Aurora quanto Sylvia estão rodeadas de conforto, em casas cheias de detalhes e memórias, mas é quando o telefone toca que elas realmente se sentem preenchidas.   

Perceber que filmes de gerações tão diferentes conseguem conversar sem que pareça um mero pastiche é um conforto gigantesco. É como se a gente testemunhasse uma passagem de bastão que mais parece uma história que vai se construindo como a de Aurora e Emma, em paralelo (afinal, Brooks segue na ativa. E que reconfortante é o abraço que podemos sentir mesmo nos filmes mais dolorosos.