Pense aí, leitor: qual o protótipo mundial e moderno do homem branco rico, poderoso e escroto? Seria justo dizer que o italiano Silvio Berlusconi se qualificaria. Em tempos recentes passamos a ver essas figuras pelo que elas são: Harvey Weinstein, Donald Trump e alguns outros. Mas, de certo modo, Berlusconi pavimentou o caminho para eles, indo de apresentador e dono de TV a político populista e presidente da Itália. Eles também têm em comum o jeito como tratam as mulheres…

Com Loro, o cineasta Paolo Sorrentino, o mesmo de A Grande Beleza (2013), vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro, oferece a sua visão sobre Berlusconi. Na visão de Sorrentino, ele é um centro de um universo bizarro, superficial, o sol em torno do qual toda uma “doce vida” colorida, em alta definição, bonita e vazia, transcorre.

É um filme estranho. Na primeira cena, uma ovelhinha e um aparelho de ar condicionado têm um encontro fatídico. Pela primeira meia hora do filme, acompanhamos Sergio (vivido por Ricardo Scamarcio), um cara jovem que trabalha com garotas de programa. O sonho da vida de Sergio é entrar para o círculo intimo de Silvio Berlusconi. Então, de repente, Berlusconi assume a narrativa – interpretado pelo grande Toni Servillo, de A Grande Beleza, com uma peruca e uma maquiagem que o deixam parecido com um alienígena. Aliás, não… Melhor dizendo, o Berlusconi de Servillo está mais para um vampiro, um que anda de dia e se veste de branco, mas, mesmo assim, comanda seus escravos e suga a todos.

ESTRANHAMENTO CONSTANTE E FASCINANTE

Em certo momento, um acidente com um caminhão leva a uma transição para uma festança. Vemos muitas mulheres lindas, várias de biquíni, e um clima de devassidão não muito distante de O Lobo de Wall Street (2013), de Martin Scorsese. Tem até um pequeno número musical cheio de garotas lindas cantando uma ode a Berlusconi. Certos momentos de “Loro” possuem um ar de videoclipe, aumentando a sensação de vazio na história. E há uma cena na qual Servillo contracena com ele mesmo, num diálogo no qual ele interpreta Berlusconi e um empreiteiro. Em se tratando de Sorrentino, existem as tradicionais homenagens a Fellini, enquadramentos bem simétricos, movimentos de câmera elegantes, uma fotografia muito bonita e um clima cínico, em mais um retrato de um homem entrando no fim da vida – é o terceiro filme seguido dele com o tema, depois de A Grande Beleza e o irregular, mas também interessante A Juventude (2015).

Os fatos abordados no filme realmente ocorreram: vemos Berlusconi após perder a eleição e lançando mão de uma artimanha – uma que os brasileiros conhecem bem – para voltar ao poder. Em cenas-chave, Servillo revela o que se passa por dentro do homem. Seu personagem se considera um “vendedor” que “conhece o roteiro da vida”, e na melhor cena do filme, tenta recuperar a lábia perdida tentando vender uma casa a uma mulher por telefone. Servillo é sempre ótimo, ora carismático ora patético, quase sempre bem nojento, mas nesses momentos ele se supera, deixando entrever nas entrelinhas um homem vazio que parece saber que seus dias (e o de outros como ele?) estão contados. Além de Servillo, a atriz Elena Sofia Ricci, que vive a esposa de Berlusconi, Veronica, também apresenta um grande desempenho e chega a roubar algumas cenas.

Assim como A Juventude, Loro – que significa “eles” em italiano, o que também é estranho, pois não vemos muito o círculo ao redor do Sol Silvio – é meio irregular, mesmo apresentando cenas belas e sendo até meio divertido, de um jeito incomum. Mas diferente do anterior, Loro parece irregular de propósito, uma tentativa de representar a bizarrice e o vazio de uma sociedade onde um sujeito como Silvio Berlusconi é tratado quase como um semideus. É uma experiência instigante na qual um artista tenta misturar realidade e sonho, humor e drama, para tentar extrair algum sentido da loucura que veio a se apossar do seu país. Por causa disso, mais uma vez, Sorrentino produz uma obra com um estranho fascínio.