Nos idos dos anos 2000, um jovem resolve ir atrás do companheiro de infância e embarcar em uma terna aventura. Esta é a premissa de “The Eight Mountains”, filme que estreou em Cannes – onde dividiu o Prêmio do Júri com EO”, de Jerzy Skolimowski – e foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano. O longa de Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch (“Alabama Monroe”) é um doce tratado sobre a amizade, feito sob medida para aquecer o coração. 
 
O guia do público nesta saga é Pietro, que, quando menino na década de 1980, passa as férias de verão em um vilarejo nos Alpes e se aproxima de um garoto local, Bruno. Os dois acabam se afastando, mas quando o pai de Pietro morre, eles se reencontram para uma missão inusitada: reconstruir uma casa na montanha onde passaram a infância juntos. A reunião incita mudanças profundas na vida de ambos. 
 
“The Eight Mountains” carrega no simbolismo para traçar paralelos entre e oferecer leituras complementares de seus protagonistas. O contraste entre cidade e campo, bem como entre uma vida aventureira e outra reclusa, são o pano de fundo para esta história de almas que se aproximam mesmo que, na superfície, pouco tenham em comum. As montanhas – metáfora clara sobre a perenidade dos obstáculos da vida adulta – se tornam as guardiãs dessa relação. 
 
Também aos fundos reside o questionamento sobre o porquê de dois amigos se aproximarem tanto. O roteiro, escrito pelos co-diretores baseados no romance de Paolo Cognetti, é preciso (mas não didático) ao sugerir que eles estejam tentando achar uma ideia de masculinidade com a qual possam se relacionar. 

LUGAR DE INTIMIDADE

A despeito da diferença de suas situações socioeconômicas, nenhum deles viveu em bons termos com o próprio pai – e ultrapassar esse dogma geracional vira uma força-motriz que os transporta para um lugar de intimidade. Nesse lugar, eles não precisam de palavras para se comunicar ou estarem bem consigo (algo que a narração inclusive menciona). 
 
Imbuindo um filme centrado em protagonistas silenciosos com fortes emoções, Luca Marinelli (de “The Old Guard”) e Alessandro Borghi (da série “Suburra”) – respectivamente Pietro e Bruno – dão aqui algumas das melhores performances de suas carreiras. Os dois repetem a dobradinha do violento “Não Seja Mau”, de Claudio Caligari, no qual também interpretaram amigos próximos, mas em um tom completamente diferente. A amizade aqui transborda carinho. 
 
A cinematografia de Ruben Impens, cheia de tomadas aéreas espetaculares, e as seleções musicais, largamente acústicas e cantadas em inglês, conectam o longa com a estética dos faroestes. Porém, longe dos recursos narrativos clássicos como mocinhos, bandidos e tesouros, fica para os espectadores responderem o que buscam esses “cowboys”. À sua maneira, “The Eight Mountains” é sobre os destinos da vida, as formas de chegar a eles e o que alguém escolher levar na jornada. 

Crítica faz parte da cobertura do Cine Set do Festival de Cinema de Karlovy Vary 2022.