Quando os créditos de “Maués, a Garça” de Isabelle Amsterdam subiram, foi difícil não lembrar do belíssimo “Elena” de Petra Costa. Digo isso, porque o trabalho de Isabelle segue o mesmo formato de documentário construído a partir de um compilado de imagens de uma figura importante para as lentes da sua diretora e que traz um viés intimista ao trafegar com rara naturalidade entre o poético, melancólico e sensorial.   

Durante os seus 27 minutos de duração, o curta apresenta ao público, através de relatos de familiares, amigos e personalidades próximas, a vida e obra do poeta, cantor, dançarino e ator Maués Melo, artista do Acre, mostrando o seu talento artístico dentro do cenário amazônico e a sua morte precoce em decorrência da AIDS.   

“Maués, a Garça” é um registro tocante do artista, um belo tributo documental sobre o seu poder criativo que não apenas dialoga com a sua subjetividade inquieta como também com a cultural regional. Isabelle explora por meio das imagens de arquivo do artista, o vazio deixado pela sua partida precoce para as pessoas que o admiravam, trabalhando indiretamente a perda pessoal e o processo de luto, situado tanto no campo afetivo quanto o de fazer a arte em uma região que pouco valoriza esses dotes.   

O estudo de personagem feita pela cineasta joga luz a uma figura instigante, adentrando no terreno pessoal da vida íntima de Maués meio que para exorcizar os fantasmas que ficaram no espaço acreano após a sua partida, no caso as saudades deixadas pelo artista.    

O seu espirito espontâneo, imprevisível e crítico que acompanhamos durante o curta, apresenta também a figura limitada pela fragilizada física, tristeza e solidão, que evidencia a perda de uma vida tão jovem e cheia de energia, semelhante a outras personalidades geniais da cultura artística como Cazuza e Renato Russo, que por sinal, tiveram a vida abreviada pela mesma doença que acometeu Maués.   

VOAR E MERGULHAR NA “ARTE PELA ARTE” 

 

Gosto do estilo sóbrio que o documentário vai pincelando pontos específicos da vida de Maués. O trabalho de montagem ágil neste aspecto, contribui muito para o público estabelecer uma conexão forte entre as imagens e os relatos em off, transformando aquilo que é de conteúdo íntimo da vida pessoal de Maués para o caráter universal da sua obra artística. São nestes segmentos que notamos o quanto a performance da sua arte trazia uma identidade artística corajosa de assumir a sua sexualidade gay perante a uma sociedade conservadora.   

Neste aspecto “Maués, a Garça” dentro da sua narrativa, é um curta onde as imagens ao mesmo tempo em que trazem uma melancolia e fazem renascer saudades e dores, viram memórias primordiais para ressignificação (ou redescoberta) de um artista carismático e que se não servem de consolo, funcionam como um alivio para lidar com a sua partida física.   

Ainda que seja bem dirigido e montado, a impressão é que falta uma maior fluidez ao documentário, que é até bastante pragmático, mesclando as falas do artista e de pessoas com material do arquivo. Senti falta de momentos mais ousados como foi a vida de Maués.   

No geral, “Maués, a Garça” permite a gente voar e mergulhar na “arte pela arte”, a frase favorita de Maués como o próprio filme cita. Não deixa de ser interessante conhecer a fundo, uma figura que viveu no quintal ao lado (nosso vizinho Acre) e que de certa forma, a partir do seu amor pela música, dança e teatro permitiu várias pessoas a viajarem pela emoção e a partir dela, criarem suas próprias asas para enfrentarem diversos obstáculos da vida.