“O Rio do Desejo” é um verdadeiro dramalhão amazônico, com direito a talaricagem, música de beiradão, o calor extenuante – a ponto de provocar a famosa leseira baré – e imagens bonitas da flora regional. Em outras palavras, um melodrama nas cores estilizadas pelo fotógrafo paraense Luiz Braga, que se tornou uma referência para comunicar visualmente a Amazônia. 

Inspirado no conto “O Adeus do Comandante” de Milton Hatoum, acompanhamos o desenrolar do romance de Anaíra (Sophie Charlotte) e Dalberto (Daniel de Oliveira). Ele é um policial que  abandona a farda para se tornar comandante de um barco e navegar o Amazonas ao lado de sua amada. Quando estão em terra firme, o casal divide a casa com os irmãos de Dalberto, com quem Anaíra fica ao esposo partir em uma viagem financeiramente irrecusável. 

Com um prólogo extenso, a viagem de Dalberto é o verdadeiro pulsar da narrativa. A partir dela, os personagens se desenvolvem deixando aflorar o desejo, o ciúme e a traição que a tragédia de Hatoum evoca. O filme de Sérgio Machado (“Cidade Baixa”) se apropria de um tema regular no universo do escritor amazonense que são os dramas fraternais, destacando o relacionamento e as personalidades individuais dos familiares que simbolizam caminhos distintos e dicotômicos. Assim como em “Dois Irmãos”, temos parentes diretos em confronto por um reconhecimento, um sentimento e uma paixão; o que leva a compreensão de que estamos diante de uma história já vista. 

O roteiro contribui com essa percepção ao enfocar o fim de relacionamento dos pais de Dalberto. A sensação que passa constantemente é a de estarmos diante de uma rima narrativa, na qual, a qualquer momento, Anaíra repetirá os mesmos passos da matriarca da família. Seja pelas cores na única roupa pertencente à mãe, a visita ao sítio e a foto onipresente do pai deles, tudo aponta para um ciclo de traição que enfraquece a trama por torná-la repetitiva e explícita. 

O OLHAR ESTRANGEIRO PERSISTENTE

Nessa tessitura, os personagens de “O Rio do Desejo” se tornam genéricos e sem tridimensionalidade, todos envoltos do desejo e do fogo que a presença da personagem de Charlotte desperta em cada um dos irmãos. Dalberto vai perdendo espaço na tela, sua história não atrai mais nem a sua esposa e nem ao público, em parte porque não avança, anda em círculos entre os igarapés da Amazônia, perdendo toda altivez que os primeiros minutos de história acentuavam. 

Em contrapartida, seus irmãos ganham espaço, o que não significa que sejam bem trabalhados, visto que todos eles parecem ocupar suas funções específicas sem pontos de inflexão em suas jornadas. O taciturno e observador Dalmo (Rômulo Braga) peleja contra si e a atração que nutre pela cunhada; já o descomplicado Armando (Gabriel Leone) se entrega aos anseios de seu corpo. Cada um ocupa seu lugar na vida de Anaíra e na viagem do protagonista, que se prova ser apenas uma forma do olhar estrangeiro se encantar pelo exótico e a natureza exuberante. 

Até o encantamento do trio fraternal reflete o olhar masculino sobre o corpo feminino amazônico e o silenciamento que vivenciam as mulheres na região; o comportamento da protagonista diante das fotos de Dalmo sobre si e da aproximação insistente da dança de Armando projetam uma aceitação dócil da situação que obriga-se a experimentar pela partida imposta do companheiro. 

O grande acerto em “O Rio do Desejo” culmina na fotografia de Adrian Teijido (“Marighella”) e o design de produção. A referência à Luiz Braga é nítida, conseguindo simular o calor que o desejo e o território emite, além disso há o suor sempre presente no corpo de Charlotte, as pequenas mudanças em seu figurino conforme os sentimentos da personagem mudam. 

Sérgio Machado entrega uma produção que mostra as belezas da Amazônia e o calor que nossa terra transmite. Pena que sua narrativa seja repetitiva e não engaje tanto assim.