Todo ano surge uma ou duas sensações do Festival de Cannes que se tornam o grande assunto do momento. O argentino “Os Delinquentes” parece ter ocupado uma das vagas deste ano. O que faz sentido, porque o filme foi feito sob medida para o ambiente estéril dos grandes festivais europeus. 

Tudo começa de supetão, quando Morán (Daniel Elías) decide roubar o dinheiro do banco em que trabalha. Sem que perceba, Román, seu colega de trabalho, acaba sendo implicado no esquema por uma mera casualidade: no horário do roubo, Román (Esteban Bigliardi) precisou se ausentar para uma consulta médica.  

Pronto, agora Román não tem outra opção que não esconder o dinheiro enquanto Morán cumpre sua pena. O plano, em suma, é o seguinte: Román segura a barra e fica de bico calado; depois de três anos e meio, quando Morán for solto, os dois dividirão o dinheiro. Simples. Afinal de contas, como Morán expõe de maneira bastante lógica, o que é pior: três aninhos de cana ou mais 25 de desespero silencioso de 8h às 17h? 

Tudo isso é conduzido com a parcimônia de quem precisa inflar seu filme o máximo possível, como um galo de terreiro que estufa o peito, cheio de pompa e circunstância, para impressionar. Combine isso à secura esclarecida de um Ruben Östlund com requintes de Wes Anderson (a vibe retrô, o estilo posado) e voilá: temos três horas que definitivamente demoram a passar. 

Apropriado que, em dado momento, apareçam em tela imagens de “O Dinheiro”, de Bresson. Óbvio, o diretor Rodrigo Moreno está reverberando as maquinações absurdas geradas pelo capital que levam um homem inocente à loucura, como no clássico do mestre francês. Mas é também uma tentativa clara de se aliciar a um certo cinema de respeito, Cinema com C maiúsculo.  

Curiosamente, “O Dinheiro” é o clássico de Bresson que menos gosto. Novamente, não deixa de ser apropriado.