Era apenas questão de tempo que Hollywood resolvesse contar a história de um de seus maiores ícones recentes, símbolo da década de 1990 e vítima do primeiro viral de uma internet que ainda era novidade até mesmo para quem poderia pagar para tê-la com facilidade naquela época. Me refiro, claro, a Pamela Anderson, que, no auge da fama como uma das estrelas da série “SOS Malibu” e com os olhos apontados para o sucesso no cinema, se viu em meio a um escândalo midiático quando uma fita íntima foi roubada da casa que dividia com o marido, Tommy Lee, baterista do Mötley Crüe. Lançada no Brasil pelo Star+, a série “Pam & Tommy” desenrola em oito capítulos todo o imbróglio que esse vazamento causou, principalmente na vida da atriz canadense. 

Estamos na era do revisionismo. É difícil zapear (ainda usam essa palavra?) pelos serviços de streaming e não achar um novo documentário sobre todos os problemas enfrentados pela cantora Britney Spears em sua busca por liberdade ou encontrar, no Twitter, fios sobre o quanto Janet Jackson foi prejudicada com o que ocorreu no Super Bowl de 2004 e, claro, produções que oferecem novos ângulos para imagens que cansamos de ver pelas lentes dos paparazzi ou em programas de tevê, e aí você pode pensar em títulos como “The Crown” (e “Spencer”), “American Crime Story”, “The Dropout”, “Casa Gucci” e “Os Olhos de Tammy Faye”, por exemplo. 

EFEITOS DA BOMBA RELÓGIO

Chegamos a “Pam & Tommy”. Eu poderia questionar o que difere essa série das produções que citei acima, mas, no final das contas, é a conexão que ela tem com o que já foi feito de melhor nesse filão que acaba pesando positivamente. Penso muito em “Eu, Tonya”, filme que reconta a história da polêmica envolvendo a ex-patinadora artística Tonya Harding, banida da modalidade após uma sabotagem que lesionou a colega Nancy Kerrigan. Lançada em 2017, a produção fugiu de uma abordagem mais tradicional e acertou em uma acidez que tornou a mistura de mockumentário com ‘drama de tribunal’ mais dinâmica e palatável (ainda que tratando de temas pesados). E essa comparação é inevitável quando pensamos que as duas produções não têm apenas o ator Sebastian Stan em seus elencos, mas também por contarem com a assinatura de Craig Gillespie (diretor de ‘Tonya’ e dos três primeiros episódios da série). 

A leitura de pouco mais de três anos na vida de Pamela Anderson e Tommy Lee não economiza: é extravagante e repleta de referências que vão de uma trilha cheia de sucessos do pop e do rock da época. Mas a série não fica apenas nisso. Sua intenção, ainda que paradoxal, é jogar um refletor em como os momentos mais íntimos de um casal apaixonado foram a ponta de uma cadeia formada por homens prontos para lucrar, julgar e debochar de Pamela, ao mesmo tempo em que riam e parabenizavam Tommy pelos seus “atributos”. 

A Pamela de Lily James (idêntica graças a um impressionante trabalho da equipe de cabelo e maquiagem) é doce, maternal e genuinamente encantada pelas emoções que Tommy Lee oferece nos primeiros dias e meses de relacionamento. Ela vislumbra o estrelato no cinema, se frustra com as poucas oportunidades de cenas mais substanciais em “SOS Malibu” e sonha com a liberdade da carreira plural de Jane Fonda. Todas as suas fichas parecem estar em “Barb Wire”, filme que seria lançado em 1996 e que poderia lhe dar o status de nova Barbarella. 

Já Tommy é um pateta que nunca parece inofensivo de fato, e aqui vale destacar que Sebastian Stan realmente parecer estar se divertindo com as caras e bocas de um homem que, jogado no sofá de uma mansão cafona, não consegue fugir da decadência escancarada com o sucesso das bandas de Seattle. E é interessante a escolha do nome da cidade para batizar o último episódio da série, com uma menção ao local de onde saiu não apenas um dos sanguessugas da fita íntima do casal, mas também toda uma nova geração do rock que fez com que Lee fosse colocado na prateleira das antiguidades da MTV, por exemplo. 

O encontro dos dois era uma bomba relógio. A intensidade da paixão é bem ilustrada no ótimo segundo episódio, que conta com a infame cena da conversa de Tommy com seu pênis. É um momento surreal, mas que ilustra o torpor daqueles primeiros dias, que culminaram em um rápido casamento. Como uma personagem fala em determinado momento da série, as imagens roubadas são de duas pessoas apaixonadas. Quando a fita viraliza, a confusão que toma tanto a imprensa quanto os envolvidos é generalizada. Chega a ser engraçado ver que, em 1996, conseguir um computador para fazer uma simples busca na internet poderia ser uma missão impossível até para duas das pessoas mais famosas do mundo do entretenimento.

  A HISTÓRIA DE UMA SOBREVIVENTE

O elo mais fraco acaba sendo o terceiro elemento da série. Se a produção acerta ao partir das motivações de Rand Gauthier (Seth Rogen) para roubar o cofre de Tommy – sem nem imaginar que a fita estaria ali dentro -, o passar dos episódios mostram cada vez menos interesse pelo personagem, que fica com função narrativa reduzida. Aquele problema ficou grande demais para a quitinete de Gauthier. 

Coincidentemente ou não, a história ganha contornos mais sensíveis ao tratar de Pam à medida em que Gillespie passa o bastão para o trio de diretoras Lake Bell, Gwyneth Horder-Payton e Hannah Fidell, que revezam os cinco episódios seguintes. Dirigido por Fidell, o antepenúltimo, intitulado “Pamela in Wonderland”, coloca Pamela em uma luta contra a opinião pública, ali representada pelo corpo de advogados que tenta imputar a ela a culpa pelo que ocorreu.

A atriz é humilhada ao ter que responder perguntas que relacionam seu histórico profissional com o crime de Gauthier (e também de todos os que compraram e tentaram comercializar a fita – àquela altura, ela e Tommy processavam a revista Penthouse, uma das compradoras). Ali, seu casamento já parecia fadado ao fracasso, assim como qualquer intenção de ser levada a sério como atriz.

Alguns parágrafos atrás, usei a palavra ‘paradoxal’ para falar das intenções da série porque, mesmo quando provoca como a cultura de celebridades é culpada por aquilo, não deixa de fazer parte desse problema. Ainda assim, Pam surge em uma luz muito mais humana do que a imagem – vendida pela mídia – da estrela deslumbrada e que, por tanto tempo, foi acusada de lucrar em cima de algo que, na verdade, foi um trauma. Como a própria Pamela disse ao anunciar que vai contar sua história em uma produção a ser lançada na Netflix, ela é uma sobrevivente. E, quando ouvimos Dolly Parton embalar os créditos finais do último capítulo da série, nós também temos consciência disso.