Uma relação em frangalhos, um acidente e uma quantia enorme de dinheiro são os elementos que colocam “Otar’s Death” em movimento. O filme de estreia do diretor georgiano Ioseb ‘Soso’ Bliadze, que estreou na mostra Leste do Oeste do Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano, abusa do sarcasmo para mostrar a vida de pessoas profundamente feridas.

Em Tbilisi, capital da Geórgia, o adolescente Nika (Iva Kimeridze) passa seus dias tentando conquistar uma colega de classe, driblando a pobreza do dia-a-dia e querendo o amor da mãe emocionalmente distante Keti (Nutsa Kukhianidze). Quando ele atropela o ancião Otar (Marlen Egutia), a família dele exige um grande pagamento para não reportar o crime à polícia e a vida de todos sai de controle.

“Otar’s Death” acompanha tanto o lado de Nika e Keti, quanto o de Tamara (Eka Chavleishvili) e Oto (Archil Makalatia), respectivamente, filha e neto de Otar, enquanto tentam lidar com as implicações de seu dilema. Apesar disso, a maior parte dos 107 minutos de projeção se foca no adolescente, que. ao tentar processar os acontecimentos, desencadeia uma sequência de eventos perigosa e autodestrutiva.

DESCONFORTAVELMENTE CÔMICO

O roteiro, escrito por Bliadze e Elmar Imanov, lida de maneira geral com a moralidade das decisões que as pessoas tomam em horas difíceis. Tamara e Oto, por exemplo, se veem em conflito diante do que eles veem como uma extorsão, mas que poderá tirar a família da miséria. Tamara, por exemplo, é uma violoncelista clássica que treina um coral em seu vilarejo, o que sugere uma vida não realizada que sonha em tirar do papel com o pai fora do caminho e a bolada de dinheiro.

Em primeiro plano, no entanto, “Otar’s Death” é sobre a perda da inocência de Nika e sobre a busca de Keti por absolvição. O jovem se vê, de supetão, tendo que encarar um mundo onde suas intenções não importam e em que uma vida de bom comportamento não é capaz de protegê-lo de acontecimentos terríveis. Keti, por sua vez, é forçadamente removida de seu universo de flertes e festas e exposta à realidade do quanto seu distanciamento do filho causou esta situação.

A ação é registrada com habilidade pelas lentes do diretor de fotografia Dimitri Dekanosidze, que emula a alternância entre tragédia e comédia do roteiro em seus posicionamentos de câmera. Nos momentos mais tensos, o público pode ver cada linha de expressão dos atores em belos close-ups. Quando ele se afasta e filma à distância, expõe a indiferença do mundo diante das agruras das duas famílias – e o efeito é desconfortavelmente cômico.

O papel que azares e erros têm na trama fazem “Otar’s Death” parecer um conto dos irmãos Coen ambientado no Cáucaso – nada mal para um filme de estreia. Bliadze não está à procura de respostas fáceis e seu olhar sem julgamentos de pessoas que tomam atitudes mesquinhas com a melhor das intenções é hipnotizante.

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