“The Five Devils”, novo filme da francesa Léa Mysius, é um misto de drama familiar e thriller sobrenatural que leva o espectador por caminhos inesperados. O longa, que estreou na mostra Quinzena dos Realizadores em Cannes e foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano, tem tudo para cair nas graças de plateias aventureiras que comprem sua inusitada proposta. 
 
A produção se centra na vida de Vicky (Sally Dramé), uma menina que tem um olfato supersensível. Através dos cheiros, ela consegue identificar coisas e pessoas de maneira minuciosa – e é a eles que ela recorre quando a estranha Julia (Swala Emati) chega para passar um tempo na casa de sua família, criando tensão não só na residência, mas também no vilarejo inteiro onde mora. Guiada pelo seu poder, Vicky começa a ter visões do passado que aos poucos revelam segredos de todos ao redor. 
 
O roteiro de Mysius, escrito em parceria com seu habitual diretor de fotografia Paul Guillaume, é ousado na mistura de gêneros, trazendo um frescor para uma história que, em outras mãos, poderia ter sido contada de forma mais tradicional. Os realizadores tocam em temas como preconceito, amor jovem, pressão social e saúde mental como peças de um quebra-cabeça cuja busca por resolução é a força-motriz do filme. 

TRÁGICO CONTO DE HOMOFOBIA

Como seu primeiro longa, “Ava”, este aqui também é, à sua maneira, um conto de rebeldia feminina. Diferentemente do projeto anterior, porém, aqui, a rebeldia se expande e o público como duas gerações de mulheres não se comportando como o esperado causa reações em cadeia em um povoado tradicional do interior da França. 
 
Esse subtexto social é um dos maiores acertos de “The Five Devils”. Permeando a história que culmina com o nascimento de Vicky, está um trágico conto de homofobia. Enquanto, no presente, a menina sofre nas mãos de bullies no colégio por motivos claramente racistas. A disrupção que estas personagens criam na pequena cidade coloca o dedo na ferida e expõe a falácia do mito do “lugar de gente de bem”. Na vida real, em lugares assim, o filme sugere que você só é abraçado se não for diferente. 
 
Apesar da coragem em abordar esses temas apostando na estética do cinema de gênero, as várias pontas soltas na trama impedem “The Five Devils” de se tornar ótimo. Em filmes desse tipo, é fato que certos mistérios devem prevalecer, mas há simplesmente muitas perguntas que ficam no ar – e no afã de mover a trama para frente sem respondê-las, a produção acaba criando uma atmosfera de “vale tudo” narrativo que diminui o impacto emocional de seu terceiro ato. 
 
Ainda assim, as sólidas atuações de Dramé e Adèle Exarchopoulos (de “Azul É a Cor Mais Quente”, que interpreta a mãe de Vicky) prendem o espectador e elevam o material para além dos pequenos pormenores. Dramé, em especial, mostra plena desenvoltura interpretando uma menina inteligente e teimosa que não tem problemas em botar a mão na massa para resolver os próprios problemas. O fato de ser sua primeira atuação torna isso ainda mais impressionante. O saldo de “The Five Devils” acaba sendo positivo – e ele mostra que o cinema idiossincrático de Mysius, como sua protagonista, continua cheio de energia. 

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