Durante muito tempo, os fãs das produções da Marvel Studios pediam por um filme solo da heroína Viúva Negra. A estrela Scarlett Johansson também queria fazer. Para quem deseja entender um pouco dos meandros de Hollywood e esclarecer porque o filme da Viúva não saiu, digamos, há uns cinco ou seis anos, recomendo este artigo (em inglês) do site Collider explicando que a culpa é principalmente de um sujeitinho execrável chamado Ike Perlmutter, ex-executivo da Marvel.

Enfim, só agora em 2021 chega Viúva Negra, ainda com um ano de atraso devido à pandemia. E o resultado final… decepciona. Como espetáculo, o longa dirigido por Cate Shortland funciona: é muito bem produzido, com toda a pompa e circunstância a que a Marvel já nos acostumou no cinema. Mas a história é muito frouxa, banal e mal contada. Não chega a ser um desastre, mas é o pior filme da Marvel em um bom tempo.

E, definitivamente, não é uma despedida à altura da carismática personagem ou de Johansson, que conseguiu fazê-la brilhar numa época em que super-heroínas ainda eram vistas com desconfiança em Hollywood.

ROTEIRO TRÔPEGO

Ambientado entre Capitão América: Guerra Civil (2016) e Vingadores: Guerra Infinita (2018), o longa reencontra Natasha Romanoff, a Viúva Negra, sendo procurada pelas autoridades por violar o tratado de Sokovia. Ela acaba reencontrando sua irmã adotiva Yelena (Florence Pugh), e depois seus pais postiços (interpretados por David Harbour e Rachel Weisz). Todos eles precisarão se unir para deter os planos de um vilão russo (Ray Winstone), empenhado em lançar um exército de Viúvas Negras pelo mundo.

A trama do filme é simples – em essência, não é tão diferente de vários outros filmes de super-herói. Mas é nessa simplicidade que os roteiristas Eric Pearson, Jac Schaeffer e Ned Benson tropeçam. O começo de Viúva Negra faz apenas o mínimo para estabelecer quem é quem, o que é importante para quem, o que o MacGuffin da trama faz. Resumindo: preguiça extrema.

Vemos Natasha sendo ajudada por um sujeito interpretado por O-T Fagbenle, mas nunca sabemos quem ele é ou o motivo de ajudá-la. Fica a cargo de Yelena vomitar vários diálogos expositivos. Eventos importantes da trama – como a razão para inimizade entre Natasha e o vilão da vez – são só mencionados, e não mostrados. Alexei, o personagem de Harbour, foi o herói Guardião Vermelho, uma espécie de Capitão América soviético – mas só sabemos disso pelo seu uniforme, que remete ao do herói estadunidense, pois o que ele fez e o que representou para o povo russo, isso fica no ar.

VILÃO VERGONHOSO E SCARLETT DESPERDIÇADA

Como o próprio filme não tem paciência ou interesse em estabelecer pontos vitais da história, o envolvimento do espectador fica muito prejudicado. E quanto ao vilão, bem, fica com ele a desonra de ser o pior da história da Marvel. No passado, produções do estúdio já foram criticadas por apresentar vilões rasos, mas de uns anos para cá os roteiristas dos filmes conseguiram modificar isso.

Infelizmente, “Viúva Negra” retorna ao estilo das Fases 1 ou 2 com ele dando as caras somente no terceiro ato da trama, faltando meia hora para o filme acabar. E quanto menos se falar a respeito dos tais feromônios dele, melhor…

E o maior pecado do roteiro: ele nos revela bem pouco sobre a Natasha que já não sabíamos. A única grande coisa nova que aprendemos sobre ela é que ela esteve infiltrada nos EUA ainda criança, nos anos 1990, numa célula soviética que se passava por uma família.

Ela não evolui no seu próprio filme, que só repisa o arco de pertencer a uma família, o qual já tinha sido usado para a personagem nos longas dos Vingadores. Como atriz, Scarlett Johansson não tem quase nada a fazer, a não ser o trabalho físico de correr, pular e lutar.

SEM TENSÃO OU SENSAÇÃO DE URGÊNCIA

O que resta é apreciar algumas cenas divertidas com a dinâmica da família disfuncional de espiões e o elenco carismático. Porém, mesmo eles são sabotados um pouco pelo texto: Harbour se diverte a valer com seu personagem, mas ele não é tão legal ou engraçado quanto o filme acha que é; assim como Pugh, que está bem, mas precisa de um pouco mais de força se quiser suceder Johansson.

Também ajuda se deixar levar pela ação, filmada de forma profissional, mas indiferente por Shortland, sua equipe de dublês e de segunda unidade. Mesmo assim, aí reside outro problema sério de Viúva Negra: ao contrário de outros Vingadores, Natasha é badass, mas é uma pessoa comum. Porém, seu filme a trata como invulnerável: a protagonista e sua irmã escapam praticamente ilesas de quedas e batidas de carro bem exageradas.

Ora, Natasha já entra no seu filme solo com uma invulnerabilidade de presente do roteiro, pois sabemos que ela só encontra seu destino em Vingadores: Ultimato (2019). Mesmo assim, os narradores deste filme insistem no erro de colocá-la em perigo, embora saibamos que ela vai escapar. Isso rouba o filme de qualquer tensão ou urgência.

REFERÊNCIA ERRADA

Um longa da Viúva talvez pedisse por uma pegada mais pé no chão, mas, no ato final, temos o confronto mega-explosivo típico da Marvel, com uma nave gigante caindo do chão e Natasha voando pelo ar sem paraquedas, fazendo uma referência direta a 007 Contra o Foguete da Morte (1979), que inclusive aparece numa tela de TV numa cena. Foguete da Morte é um dos filmes mais xaropes de James Bond, o que ressalta o equívoco da Marvel: ao invés de fazer com a Viúva um 007: Cassino Royale (2006), fizeram um Foguete da Morte…

É um filme ruim? Não, tem alguns momentos divertidos e se sustenta no movimento, na sua energia cinética. É assistível – para saber o que é mesmo ruim, é só ver o que a concorrência, a DC, fez com a sua outra super-heroína, a Mulher Maravilha, ano passado.

Mas é triste perceber que, ao longo da sua trajetória, a primeira heroína da Marvel só teve oportunidade de brilhar quando acompanhada de outras figuras heroicas. Na hora de colocá-la sozinha no palco para ter o seu momento, o estúdio deixou a peteca cair. Fica a sensação de que uma personagem marcante no cinema fantástico recente ganhou uma nota de rodapé para chamar de sua, ao invés de uma despedida emocionante. Natasha merecia um pouco mais.

CRÍTICA | ‘Deadpool & Wolverine’: filme careta fingindo ser ousado

Assistir “Deadpool & Wolverine” me fez lembrar da minha bisavó. Convivi com Dona Leontina, nascida no início do século XX antes mesmo do naufrágio do Titanic, até os meus 12, 13 anos. Minha brincadeira preferida com ela era soltar um sonoro palavrão do nada....

CRÍTICA | ‘O Sequestro do Papa’: monotonia domina história chocante da Igreja Católica

Marco Bellochio sempre foi um diretor de uma nota só. Isso não é necessariamente um problema, como Tom Jobim já nos ensinou. Pegue “O Monstro na Primeira Página”, de 1972, por exemplo: acusar o diretor de ser maniqueísta no seu modo de condenar as táticas...

CRÍTICA | ‘A Filha do Pescador’: a dura travessia pela reconexão dos afetos

Quanto vale o preço de um perdão, aceitação e redescoberta? Para Edgar De Luque Jácome bastam apenas 80 minutos. Estreando na direção, o colombiano submerge na relação entre pai e filha, preconceitos e destemperança em “A Filha do Pescador”. Totalmente ilhado no seu...

CRÍTICA | ‘Tudo em Família’: é ruim, mas, é bom

Adoro esse ofício de “crítico”, coloco em aspas porque me parece algo muito pomposo, quase elitista e não gosto de estar nesta posição. Encaro como um trabalho prazeroso, apesar das bombas que somos obrigados a ver e tentar elaborar algo que se aproveite. Em alguns...

CRÍTICA | ‘Megalópolis’: no cinema de Coppola, o fim é apenas um detalhe

Se ser artista é contrariar o tempo, quem melhor para falar sobre isso do que Francis Ford Coppola? É tentador não jogar a palavra “megalomaníaco” em um texto sobre "Megalópolis". Sim, é uma aliteração irresistível, mas que não arranha nem a superfície da reflexão de...

CRÍTICA | ‘Twisters’: senso de perigo cresce em sequência superior ao original

Quando, logo na primeira cena, um tornado começa a matar, um a um, a equipe de adolescentes metidos a cientistas comandada por Kate (Daisy Edgar-Jones) como um vilão de filme slasher, fica claro que estamos diante de algo diferente do “Twister” de 1996. Leia-se: um...

CRÍTICA | ‘In a Violent Nature’: tentativa (quase) boa de desconstrução do Slasher

O slasher é um dos subgêneros mais fáceis de se identificar dentro do cinema de terror. Caracterizado por um assassino geralmente mascarado que persegue e mata suas vítimas, frequentemente adolescentes ou jovens adultos, esses filmes seguem uma fórmula bem definida....

CRÍTICA | ‘MaXXXine’: mais estilo que substância

A atriz Mia Goth e o diretor Ti West estabeleceram uma daquelas parcerias especiais e incríveis do cinema quando fizeram X: A Marca da Morte (2021): o que era para ser um terror despretensioso que homenagearia o cinema slasher e também o seu primo mal visto, o pornô,...

CRÍTICA | ‘Salão de baile’: documentário enciclopédico sobre Ballroom transcende padrão pelo conteúdo

Documentários tradicionais e que se fazem de entrevistas alternadas com imagens de arquivo ou de preenchimento sobre o tema normalmente resultam em experiências repetitivas, monótonas e desinteressantes. Mas como a regra principal do cinema é: não tem regra. Salão de...

CRÍTICA | ‘Geração Ciborgue’ e a desconexão social de uma geração

Kai cria um implante externo na têmpora que permite, por vibrações e por uma conexão a sensores de órbita, “ouvir” cada raio cósmico e tempestade solar que atinge o planeta Terra. Ao seu lado, outros tem aparatos similares que permitem a conversão de cor em som. De...