Da vitória de “Anatomy of a Fall” ao sucesso de “Killers of the Flower Moon”, Caio Pimenta traz as projeções para o Oscar 2024 dos filmes lançados no Festival de Cannes.

A RELAÇÃO CANNES E OSCAR

O Festival de Cannes chegou ao fim e é inevitável pensar no Oscar. Afinal, ao longo da história, muitos premiados com a Palma de Ouro chegaram a concorrer ao prêmio máximo da Academia meses depois. 

Foi assim com “Taxi Driver”, “Apocalypse Now”, “All that Jazz”, “O Piano”, “Pulp Fiction”, “Segredos e Mentiras”, “O Pianista”, “A Árvore da Vida”, “Amor” e “Triângulo da Tristeza”. Somente “Marty” e “Parasita” conseguiram o feito de vencer em Cannes e no Oscar. 

Nos últimos anos, uma parte significativa dos indicados a Melhor Filme Internacional saem justamente de produções lançadas na França. 

Em 2022, por exemplo, o belga “Close” e o polonês “EO” concorreram aos dois eventos. No ano anterior, vieram de Cannes o norueguês “A Pior Pessoa do Mundo” e o vencedor japonês “Drive My Car”. Nada supera, entretanto, 2019 quando o polonês “Guerra Fria”, o libanês “Cafarnaum” e o ganhador da Palma de Ouro, o japonês “Assunto de Família”, estiveram no evento francês e norte-americano.

 OS FAVORITOS DE CANNES 2023

“Anatomy of a Fall” foi o grande vencedor da Palma de Ouro, sendo a terceira vez que uma produção dirigida por uma mulher alcança esta honraria – as duas anteriores foram com “O Piano”, da Jane Campion, e “Titane”, da Julia Ducornau. 

E o drama comandado pela Justine Triet pode sonhar em chegar ao Oscar de Melhor Filme tal qual fez “O Piano”. 

Diferente de “Titane” uma obra visceral demais para os padrões médios da Academia, “Anatomy of a Fall” parte de uma premissa comum – a tentativa de esclarecer o assassinato de um escritor em que a esposa da vítima é a principal suspeita – para expandir seu escopo. Com o apoio da Neon, distribuidora responsável pelo sucesso de “Parasita”, o longa tem potencial para chegar sem maiores dificuldades a Melhor Filme e Roteiro Original. 

Após um ano sem mulheres em Melhor Direção, a Justine Triet já se posiciona como candidata fortíssima para a categoria. Agora, quem realmente surge como nome quase certo é a Sandra Huller: a imprensa em Cannes foi unânime em relação a ela e somente não venceu Melhor Atriz porque as regras do festival não permitem que o vencedor do festival leve qualquer outra categoria. Caso contrário, a alemã teria ganhado. 

Se é precoce demais dizer que ela chega como favorita a vitória no Oscar, não é absurdo enxergá-la em grandes condições de ficar entre as cinco finalistas.  

Se a Neon tem “Anatomy of a Fall”, a A24 joga as fichas com “The Zone of Interest”, premiado com o Grand Prix, espécie de segundo lugar do festival. Também contando com a Sandra Huller no elenco, o longa do Jonathan Glazer foi outra unanimidade e correspondeu a expectativa de ser a única produção que obteve unanimidade junto à curadoria que selecionou os candidatos à Palma de Ouro. 

Será interessante saber a recepção a “The Zone of Interest” em Hollywood e outros lugares do planeta, visto que apresenta um ponto de vista sobre os campos de concentração de Auswitchz diferente do que foi mostrado anteriormente. Outro mistério é se há na indústria todo o carinho que a cinefilia tem com o Jonathan Glazer; digo isso porque cineastas queridos como James Gray ou Christian Petzold mal passam perto do Oscar sequer dar atenção. 

O prestígio de Cannes e toda a ótima repercussão do longa, porém, podem mudar este cenário. Hoje, acho que “The Zone of Interest” está forte na briga pela vaga de Melhor Filme e Direção, enquanto Roteiro Adaptado é onde tem mais chances de emplacar.  

Em Filme Internacional, tanto “The Zone of Interest” e “Anatomy of a Fall” surgem bem-posicionados, assim como “Fallen Leaves”, comédia romântica finlandesa ganhadora do Prêmio do Júri. Ainda que sem prêmio, vale observar o Hirokazu Koreeda com “Monster”, o qual pode representar o Japão, e a Alice Rorhwacher com o italiano “La Chimera”.   

DE WES ANDERSON A MARTIN SCORSESE

Voltando para as categorias principais do Oscar, o cinema americano viveu altos e baixos neste Festival de Cannes. 

Hollywood não repetiu o feito do ano passado quando “Top Gun: Maverick” saiu ovacionado. “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” assim como “Elementos” tiveram recepções mornas. O quinto longa do arqueólogo mais famoso do cinema foi mais lembrado pelas homenagens ao Harrison Ford do que pelo filme em sim. Já a nova animação da Pixar encerrou Cannes 2023 sem empolgar ninguém. 

“Indiana Jones” fica onde está brigando por vagas nas categorias técnicas, enquanto “Elementos” terá dificuldades em Melhor Animação visto a temporada que promete ser uma das melhores dos últimos anos.  

Das produções concorrentes à Palma de Ouro, teve gente que saiu feliz e outras nem tanto. 

“May December” foi tão bem recebido que surpreendeu ter ficado de mãos vazias na premiação. O investimento de US$ 11 milhões da Netflix ao adquirir o drama em Cannes mostra a confiança do streaming em uma boa temporada de premiações.  

Se o diretor Todd Haynes está no time dos cineastas esnobados pela Academia, não dá para dizer o mesmo da Julianne Moore e Natalie Portman. Não duvide em vê-las nas categorias de atuação feminina. Também vejo possibilidades altas em Roteiro Original. 

“Firebrand” passou longe de conquistar a crítica mundial ainda também que não tenha sido um fiasco. Para além das categorias, no máximo, vislumbra o Jude Law altamente elogiado em Ator Coadjuvante.

 

O Wes Anderson levou a trupe de “Asteroid City” para Cannes, obteve ótimas críticas, mas, passou longe da aclamação dos tempos de “Moonrise Kingdom” e “O Grande Hotel Budapeste” 

A sensação que tenho é de existir um leve esgotamento do estilo do Wes Anderson.

Isso, entretanto, não significa que seja ruim ou entediante; apenas não surpreende mais ninguém como acontecia antigamente ainda que mantenha o charme habitual.  

Por outro lado, um gigante saiu ainda maior do Festival de Cannes 2023. 

Reunido ao lado de parceiros históricos como Leonardo DiCaprio e Robert De Niro, o Martin Scorsese foi aclamado por “Killers of the Flower Moon”. Qualquer conversa tola sobre a duração do filme cedeu espaço para o debate sobre até onde o cineasta novaiorquino é capaz de ir visto a força de uma história épica sobre os povos originários dos EUA, a ambição e o surgimento do FBI. 

Para o Oscar, difícil pensar em “Killers of the Flower Moon” fora de Melhor Filme e Roteiro Adaptado. O Scorsese também deve aparecer entre os diretores assim como a elogiada Lily Gladstone em Atriz Coadjuvante. As dúvidas ficam por conta do DiCaprio em Melhor Ator e o De Niro em coadjuvante. 

Que a Academia seja mais generosa em 2024 e não o deixe de mãos vazias como ocorreu com “O Irlandês”.