Caio Pimenta fala sobre os dois primeiros ciclos e porque é possível afirmar que estamos na terceira fase da produção do Amazonas.
O saudoso professor da Universidade Federal do Amazonas, Narciso Lobo, no livro “A Tônica da Descontinuidade: Cinema e Política na Década de 1960”, apontou que o cinema amazonense apresentou dois ciclos: o primeiro com Silvino Santos nas décadas de 1910 a 1930 e, em seguida, nos anos 1960, com a geração cineclubista.
PRIMEIRO CICLO
Vamos falar do Silvino Santos: ele nasceu em Cernache de Bonjardim, Portugal, em 1886. Chegou à Amazônia aos 14 anos encantado com a possibilidade de conhecer o maior rio do mundo. Os primeiros passos no audiovisual começaram durante uma expedição a Iquitos, no Peru, ao lado do polêmico seringalista Júlio César Arana. Em 1916, lançou seu primeiro filme, “Índios Witotos do Rio Putamayo”.
Dois anos depois, ele abriu a primeira produtora da região, a Amazônia Cine-Film. Chegou a realizar o filme “Amazonas, o Maior Rio do Mundo”, em 1920, porém, a venda dos direitos a uma empresa de turismo em uma negociação mal conduzida acabou levando os rolos a se perderem e a produtora a fechar. A salvação veio com o apoio do comendador J.G Araújo, o qual financiou, entre outros projetos, o clássico “No Paiz das Amazonas”, de 1922. Em seguida, Silvino ainda fez “Terra Encantada”, de 1923, “No Rastro do Eldorado”, de 1925, “Miss Portugal”, em 1927, e “Terra Portuguesa”, em 1934.
Vale lembrar que o cinema do Silvino aconteceu ainda no grande momento do ciclo da borracha e, com a decadência econômica da região, essa produção entrou em declínio assim como o cinema do Amazonas como um todo.
SEGUNDO CICLO
A retomada veio nos anos 1960. Impulsionada pela Nouvelle Vague, o Cinema Novo, mudanças sociais e culturais da época e a implantação da Zona Franca de Manaus, uma geração de apaixonados pelo cinema promoveu um novo momento. O maior marco foi a criação do Grupo de Estudos Cinematográficos com nomes como Cosme Alves Netto, Márcio Souza e Joaquim Marinho. O cineclube foi o terceiro mais importante do Brasil, trazendo para a cidade importantes filmes de mestres como Fellini, Truffaut e Wilder.
Também tivemos dois festivais de cinema: I Festival de Cinema Amador do Amazonas, em 1966, e o I Festival Norte de Cinema Brasileiro, em 1969. Foi neles que a geração cineclubista resgatou Silvino Santos em uma homenagem histórica no Teatro Amazonas. Por fim, nos anos 1960, o Estado viu o surgimento da Revista Cinéfilo, criada pelo José Gaspar, pioneiro da crítica no Amazonas.
A falta de política pública consistente para o audiovisual e a repressão da ditadura militar culminaram em uma produção marcada por irregularidades nas décadas seguintes, destacando-se “A Selva”, de Márcio Souza, “Mater Dolorosa”, do Roberto Evangelista, e “Bocage – um Hino ao Amor”, de Djalma Batista Limongi.
TERCEIRO CICLO
Eis que, então, a partir do século XXI vivemos uma nova fase do cinema local. O ponto de partida pode ser considerado a criação da Amazonas Film Comission em 2001 acompanhado do Núcleo de Produção Digital.
De lá para cá, vimos o surgimento de uma nova geração que levou o cinema do Amazonas a ser premiado em diversos cantos do mundo. Sérgio Andrade, por exemplo, lançou “Antes o Tempo não Acabava” na Mostra Panorama do Festival de Berlim, enquanto “O Barco e o Rio”, de Bernardo Abinader, faturou cinco Kikitos no Festival de Gramado 2020. Vimos ainda eventos se proliferaram em uma quantidade nunca vista: Amazonas Film Festival, Olhar do Norte, Mostra do Cinema Amazonense, Matapi, Pirarucurta, Festival Um Amazonas, Curta 4, Cine Bodó, entre outros.
A política de regionalização com editais de baixo orçamento para longas-metragens, as linhas do Prodav para as TVs Públicas, o DocTV e os arranjos regionais contribuíram para este fortalecimento. A descontinuidade ainda bate na porta com o fim do curso de audiovisual da Universidade do Estado do Amazonas, mas, as conquistas deste período precisam permanecer.
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Projeto contemplado no Prêmio Feliciano Lana, promovido pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa com recursos da Lei Aldir Blanc.