Particularmente, acredito que uma importante parte da crítica cinematográfica é descobrir de qual forma uma produção consegue passar sua razão de ser para o público. O que realmente aquele filme quis dizer? Qual o recorte que o diretor realizou daquele universo? Quem os personagens retratam? Alguns filmes tornam essa reflexão uma tarefa bem árdua ao apresentarem narrativas praticamente vazias. E, infelizmente, admito que ‘O Olho e a Faca’ é exatamente este tipo de produção. 

Estrelado por Rodrigo Lombardi, o longa apresenta Roberto, trabalhador de uma plataforma petrolífera. Ao ser promovido, ele se afasta cada vez mais da família e de seus amigos do trabalho, o que lhe leva para uma vida solitária e perturbadora. 

A primeira metade de “O Olho e a Faca” consegue segurar uma trama interessante ao apresentar o trabalho de Roberto. A plataforma no meio do mar é muito bem aproveitada pela direção de fotografia ao criar extensos ângulos contemplativos do cenário, um ótimo contraste à trama de pequenos detalhes jogados ao espectador rapidamente. Assim, entre companheirismo e riscos de trabalho, acompanhamos a rotina dos trabalhadores que passam seus dias em alto mar. 

Neste ponto é bem importante reconhecer de que forma os perigos do trabalho recaem sobre cada um dos personagens, os quais, apesar de numerosos, não são aprofundados. Na verdade, além do protagonista, é difícil apontar uma outra presença que seja realmente complexa na trama ou sequer verdadeiramente relevante para além de influenciar acontecimentos na vida de Roberto. 

Voltando para o cenário inicial, os sons da plataforma também são ótimos e ajudam a dar vida na trama. Desde os incômodos sons até os momentos raros e estranhamente silenciosos são bem aproveitados. Neste caso, apenas o entendimento das falas fica a desejar já que, devido aos cenários barulhentos, o recurso de dublagem é utilizado, sendo difícil não notá-lo muitas vezes. 

VAZIO E MAIS VAZIO

Quando a trama passa a se distanciar deste cotidiano, “O Olho e a Faca” desanda realmente. Na família, Roberto possui tramas comuns e mal exploradas com diversos personagens sendo jogados fora, inclusive Débora Nascimento no papel de amante com participação restrita a duas cenas. A impressão passada é de que este contexto familiar em nada era necessário para a construção do personagem, se salvando apenas a presença de alguns diálogos pontuais. 

Daí para frente, “O Olho e a Faca” explora ao máximo a capacidade de atuação de Rodrigo Lombardi ao lhe oferecer poucos elementos para contracenar. Os minutos finais do longa passam a buscar metáforas e conceitos quase que aleatórios: o personagem passa a ver gatos e corvos por onde anda e o personagem de Caco Ciocler protagoniza um monólogo que se alonga por demais. 

Infelizmente, o filme não se tornou mais um trabalho marcante de Paulo Sacramento (“Riocorrente“) na montagem. O diretor, roteirista e editor da produção peca ao organizar as cenas do filme pelo simples fato de inserir momentos claramente desnecessários, os quais poderiam ser substituídos pelo alongamento de cenas realmente importantes para a trama pessoal de Roberto. 

Assim, apesar de possuir acertos pontuais, as boas intenções de Sacramento na direção não se sobressaem no filme. Sobre a questão inicial do que o longa quer dizer ao seu público acredito que exista sim um argumento sobre as especificidades da vida de um petroleiro, uma intenção ofuscada por diversas subtramas superficiais, dando uma impressão de verdadeiro vazio quando pensamos sobre o conteúdo de “O Olho e a Faca” . 

 

Crítica | ‘O Dublê’ – cinema de piscadela funciona desta vez

David Leitch: sintoma do irritante filão contemporâneo do cinema de piscadela, espertinho, de piadinhas meta e afins. A novidade no seu caso são as doses nada homeopáticas de humor adolescente masculino. Dê uma olhada em sua filmografia e você entenderá do que falo:...

‘Rivais’: a partida debochada e sensual de Luca Guadagnino

Luca Guadagnino dá o recado nos primeiros segundos de “Rivais”: cada gota de suor, cada cicatriz, cada olhar e cada feixe de luz carregam bem mais do que aparentam. O que parece uma partida qualquer entre um dos melhores tenistas do mundo e outro que não consegue...

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...