A radicalização é um problema que se arrastou para o século XXI, encontrando na era da informação um período fértil para sua proliferação. Pode até parecer contraditório achar que em uma época onde se pode saber absolutamente tudo, a ignorância ainda capture pessoas e as transforme em máquinas de ódio. Apesar de não seguir esta linha de raciocínio, “O Jovem Ahmed” tenta mostrar quais os efeitos desse processo em um menino que tenta seguir à risca o que sua religião professa, ou, pelo menos, o que seu guia religioso diz.

Dirigido pelos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne (“O Garoto da Bicicleta” e “Dois Dias, uma Noite”), dupla belga nem um pouco novata ao retratar problemas na infância-adolescência decorrentes de abuso ou maus-tratos, “O Jovem Ahmed” parecia ser mais um capítulo na série de filmes que já fizeram com seus jovens protagonistas. Mas o que antes conseguia traduzir a estética naturalista da dupla em um uso potente para a compreensão da obra, aqui, ela continua presente, mas sem o mesmo impacto.

Acompanhamos a vida de Ahmed (Idir Ben Addi) na escola e com seu imã. Enquanto briga com sua professora por ela querer ensinar árabe na comunidade, ele escuta fielmente as palavras de seu guia religioso, que não evita nem um pouco mencionar as palavras “jihad” e expressões maldosas contra a professora. O protagonista aqui parece querer se encaixar em um ambiente. Seu pai, que não está presente, é considerado por Ahmed como uma pessoa fraca por ter relaxado na forma como entendia o Islã. Já a figura com quem parece ter mais afinidade é seu primo, visto somente em fotografias e em (pelo que parece) ser um site de memórias póstumas. Seu primo é um radical, e para Ahmed, esse é o caminho que ele deve seguir.

NATUREZA NÃO EXPLORADA

Os detalhes revelam os cuidados que o menino tem com a sua religião: lava as mãos excessivamente quando um cachorro as lambe, já que sua saliva é impura; briga com a professora porque não aceita que uma mulher lhe cumprimente; guarda seu Alcorão em uma sacola plástica dentro da bolsa. A partir disso, criamos uma ideia de como está bem construída a noção de “pureza” dentro do personagem.

O ápice para a história andar é quando Ahmed tenta matar sua professora e ele é mandado para uma espécie de reformatório. Desse ponto em diante, o filme começa a apresentar problemas, já que fica tão preso nas ações do protagonista a ponto de não querer chegar em um denominador comum com relação à violência, independente dos seus motivos, e como que um sujeito pode ser capaz de mudar.

A natureza de Ahmed não é explorada de forma a dar corpo para suas ambições. O tempo no reformatório não parece sofrer efeito nele, mas, o filme não busca criar um porquê para isso. Pelo contrário, mergulha-se no seu naturalismo mínimo, mas sem que este realmente explique quem é Ahmed, porque ele fez aquilo e se ele tem realmente intenções de mudar. A história do filme é extremamente direta: Ahmed vai cuidar dos animais na fazenda; Ahmed vai ser confrontado por uma menina para que ele a beije; Ahmed acha que isso não foi certo e, agora, ele é impuro.

Nada disso diz muita coisa se não existe um caminho para ser direcionado. O público é capaz de compreender que a narrativa tem que seguir um fluxo, mas em “O Jovem Ahmed”, o mesmo não adentra em nenhum dos temas complexos que o filme busca discutir.

A questão não é esperar que o filme dos irmãos Dardenne nos entregue um conto de redenção ou um tratado sobre a violência, mas sim que para um tema tão complexo, um longa deste se perde dentro de sua própria proposta estética. O resultado final acaba sendo um material fraco para um tema tão importante nos dias atuais.

‘Rivais’: a partida debochada e sensual de Luca Guadagnino

Luca Guadagnino dá o recado nos primeiros segundos de “Rivais”: cada gota de suor, cada cicatriz, cada olhar e cada feixe de luz carregam bem mais do que aparentam. O que parece uma partida qualquer entre um dos melhores tenistas do mundo e outro que não consegue...

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...