Dirigido pelo cineasta greco-estadunidense Elia Kazan, “Clamor do Sexo” (Splendor in the Grass, no original) é um filme bastante provocador para a sua época. Lançado em 1961, o drama aborda uma temática que não era tão comum na sociedade norte-americana da década: o desejo sexual.

Como o próprio título do filme sugere, “Clamor do Sexo” ilustra o amor na adolescência e as implicações que a vontade sexual reprimida (principalmente a feminina), podem trazer na vida de jovens cercados por ideais conservadores.

O filme já inicia com a cena íntima de um jovem casal próximo a uma cachoeira. Wilma Dean (Natalie Wood) e Bud Stamper (Warren Betty) estão prestes a realizar o primeiro ato sexual da relação, porém, a pedido de Wilma, Bud acaba não tirando a virgindade de sua namorada. Essa vontade insaciável dos jovens é muito bem construída visualmente.

 FRUSTAÇÃO EM CENA

É possível sentir a frustração do casal ao conter a natureza de seus instintos na cena. Nela, vemos e ouvimos uma forte queda de água, o que acentua esse sentimento ao remeter à relação sexual interrompida. Isso prepara o espectador para os conflitos internos e externos que os protagonistas enfrentarão no decorrer de “Clamor ao Sexo”.

A narrativa conduz o espectador a diversos momentos de tensão, quando Bud e Wilma se martirizam ao resistir “à tentação sexual”. Destaque para a atuação de Natalie Wood, que talvez seja o ponto mais forte do filme. Wood entrega uma personagem que a todo tempo é confrontada pelos desejos que a puberdade traz.

Esse confronto interno é tão forte que chega a levar a protagonista à loucura, após declamar versos do poema “Esplendor da Relva” de William Wordsworth – fazendo jus ao título do filme. Apesar de algumas cenas não terem envelhecido tão bem, o roteiro de William Inge – parceiro em outros trabalhos de Kazan – permite a compreensão e empatia com os personagens.

Consequências do conservadorismo

O conservadorismo e até mesmo a misoginia estão presentes nas famílias de ambos os protagonistas. Vemos Ace Stamper (Pat Hingle), pai de Bud, um homem de meia-idade, manco, que mais se preocupa em enriquecer com extração de petróleo do que ouvir os desabafos do filho que não quer ir à faculdade contra sua vontade.

Ao mesmo tempo, repudia o comportamento da filha mais velha, Ginny (Barbara Loden), uma jovem mulher que não deixa o machismo do pai impedir de realizar suas próprias vontades. Vale ressaltar que essa personagem, apesar de pouco tempo de tela, tem papel fundamental para instigar os protagonistas e confrontar a sociedade machista na qual o pai está inserido.

Por outro lado, temos a mãe de Wilma, Frida Loomis (Audrey Christie), que fomenta ainda mais a misoginia que a filha sofre. Uma cena que ilustra isso é o momento em que Wilma tenta perguntar à mãe a importância de se manter casta e sem sucumbir aos desejos sexuais.

“- É assim tão terrível ter esses sentimentos por um garoto?

– Nenhuma boa garota tem.

– Mas mãe… você nunca teve? Você nunca se sentiu dessa maneira com o papai?

– Seu pai nunca encostou a mão em mim até nos casarmos. E então eu fiz com ele somente o que uma esposa deve fazer. Uma mulher não aprecia aquelas coisas como os homens gostam. Ela apenas deixa que seu marido venha até ela para ter filhos.”

Imagens que falam 

O ambiente sufocante em que Wilma vive é bem representado pela fotografia de Boris Kaufman (outro parceiro de longa data de Kazan).

Alguns dos elementos visuais que potencializam o ambiente hostil que a protagonista está inserida são: os lustres curiosamente posicionados sobre Wilma em certos momentos do filme; as fotos do namorado, que são retiradas do quarto da jovem pela mãe; e o reflexo do tronco de Wilma no espelho.

O trabalho visual também está presente no contexto de Bud. Na véspera de ano novo, vemos a miniatura de uma torre de perfuração jorrando serpentinas, fazendo jus ao trabalho de exploração de petróleo exercido pelo pai.

O formato e a ação que o objeto faz, aos olhos de Bud, pode ser compreendido como o símbolo da virilidade masculina para o jovem reprimido sexualmente.

Como a vida funciona

“Clamor do sexo” critica o conservadorismo, a misoginia e o machismo, mas não fica por aí. Indo além de sua superfície, talvez a proposta que Kazan tenta apresentar com o desfecho do filme é a crença de que a vida nunca funciona da maneira que desejamos, ou em outras palavras, idealizamos.

Wilma e Bud estavam vivendo um amor juvenil e o único objetivo de vida que tinham era ficar juntos para poder então saciar seus desejos. E a aceitação de que a vida é muito mais do que uma idealização, vai de encontro com o poema que nomeia o filme.

“Apesar de a luminosidade outrora tão brilhante

Estar agora para sempre afastada do meu olhar,

Ainda que nada possa devolver o momento

Do esplendor na relva, da glória na flor,

Não nos lamentaremos, inspirados no que fica para trás;

Na empatia primordial que tendo sido sempre será;

Nos suaves pensamentos que nascem do sofrimento humano;

Na fé que supera a morte,

Nos tempos que anunciam o espírito filosófico.”

O filme peca no ritmo em alguns momentos, mas as performances do elenco são tão boas que o espectador consegue ignorar estes problemas. Não é à toa que recebeu duas indicações ao Oscar: Melhor Atriz para Natalie Wood; e Melhor Roteiro para William Inge – este último saiu como vencedor.

“Clamor do Sexo” cumpre ainda com uma das funções mais importantes do cinema: promover discussões sobre determinados assuntos que repercutem até hoje, como as questões de gênero e o prazer feminino – ainda considerado como tabu na sociedade.

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