Barravento” é o primeiro longa-metragem do diretor Glauber Rocha, com apenas 23 anos na época. A história acompanha uma comunidade de pescadores que moram no interior da Bahia, ressaltando sua relação com a religião e o trabalho. O protagonista da obra é Firmino (Antônio Pitanga), um homem que volta à comunidade tentando mudar a dinâmica da mesma.

O local é formado por descendentes de africanos, candomblecistas, onde a religião assume um papel preponderante para todas as decisões coletivas, inclusive as econômicas. “Barravento” se firma a partir da tensão estabelecida pela volta de Firmino e as exigências do patrão que cobra o pescado produzido. Glauber dedica uma atenção especial aos rituais que compõem o cotidiano daquela população.

NATIVO VS ESTRANGEIRO

Há um esforço para criar um senso de união e compartilhamento, transformando o espaço em um personagem próprio. As danças, as lutas, o mar, os momentos de oração surgem como um emaranhado de situações a fim de constituir esse organismo. A figura de Firmino, então, surge como antagonista a esse espaço. O homem busca desconstruir o predomínio da fé religiosa, ressaltando sua vivência fora do local.

A posição de Firmino desenvolve um embate entre “nativo e estrangeiro” um tanto peculiar. Embora o homem se apegue a sua experiência para além daquela sociedade onde nasceu, ele também pertence a ela. Ao mesmo modo, os líderes comunitários também entendem Firmino como uma parte menor de um problema que está, e sempre esteve, no mundo exterior, personificada aqui na figura do dono da rede que os pescadores utilizam.

Glauber se debruça sobre essas particularidades e contradições para construir sua dinâmica. Quanto mais problemas enfrenta a comunidade, mais ela se apega às tradições para resolvê-los, na mesma medida que Firmino cada vez mais toma atitudes drásticas para provar seu ponto.

tratado sobre complexidades

Nessa construção, “Barravento” apresenta seu protagonista como um revolucionário que não vê nada além de alienação em seus conterrâneos, dominados por uma visão ultrapassada. Entretanto, embora seja perceptível o incentivo do filme para Firmino, o místico relacionado ao Candomblé surge como condutor inquestionável do filme.

A fé é tão indissociável daquelas pessoas, que se materializa tanto quanto a rede usada para pescar. As cenas com rituais nas tendas surgem como novas diretrizes dentro do próprio enredo, guiando mesmo contra a “lógica” os rumos da história. “Barravento” concretiza assim um tratado sobre complexidades, mais do que propriamente sobre revolução.

Na ânsia de investigar e desconstruir um emaranhado social à margem da sociedade, tanto Firmino quanto Glauber Rocha se vêem imersos nela. O que para o filme em termos artísticos é o melhor cenário possível.

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