Um filme como Cha Cha Real Smooth não devia funcionar tão bem quanto funciona. Sério, é um drama romântico indie norte-americano, estrelado, roteirizado e dirigido pelo seu ator principal, um daqueles  caras que consegue ter, ao mesmo tempo, pinta de gente boa e de irritante, e o filme em si tem alguns tiques típicos desse tipo de produção. Ora, até hoje tenho pesadelos de vez em quando ao me lembrar do Hora de Voltar (2004), do Zach Braff.

Cha Cha Real Smooth era para ser ou um projeto de vaidade ou festival de clichês. Felizmente, o filme de Cooper Raiff escapa de ser ambas as coisas e termina sendo um dos melhores exibidos no Sundance 2022. Como ele faz isso? Alternando entre romantismo ingênuo e maturidade na sua visão sobre o dilema de seus personagens. E contando com ótimas atuações do elenco, a começar pelo próprio ator principal.

Raiff interpreta Andrew, um rapaz prestes a completar 22 anos e que não tem a menor ideia do que fazer na vida. É um tipo crianção – e a grande atuação o mantém encantador e divertido ao invés de ridículo. Parece que a única coisa que ele aprendeu na faculdade foi como festejar. E esse aprendizado vem a calhar quando, ao ser convidado para uma festa de Bar Mitzvá do irmão mais novo, ele dá uma de DJ e anima o lugar. Ali, Andrew nota uma jovem mãe e sua filha adolescente na festa. A menina é autista, e a química entre Andrew e Domino (Dakota Johnson), a mãe, é imediata. Ao longo do filme, os dois se aproximam, se afastam e, durante a jornada, chegam a algumas conclusões sobre as pessoas que querem ser na vida adulta.

SINTONIA TOTAL

A obra conquista o espectador pelo alto astral, afinal, “Cha Cha Real Smooth” exala energia e um genuíno clima positivo: as crianças são divertidas, a visão que alia sensibilidade a bom humor desde a primeira cena encanta e Raiff e Johnson juntos são um achado. A evolução do relacionamento, aliás, demonstra uma sensibilidade acima do comum para filmes do gênero até por conta da personalidade quase infantil do casal – ela por ter tido a juventude abortada; e ele por ainda não ter amadurecido totalmente. A empatia é a instantânea.

A partir de uma câmera não intrusiva que segue seus personagens e parece não se esforçar para contar a história, Cooper Raiff consegue transmitir espontaneidade ao público. Usa-se muito o termo feel good movie por aí, aquele tipo de produção confortável e superficial que geralmente só repete clichês e fórmulas batidas. Cha Cha Real Smooth é o artigo genuíno, sendo o tipo de filme que faz o espectador se sentir bem, despertando risos e emoção alternadamente e contando uma história bem humana.

O que não quer dizer que não examine o lado, digamos, menos bonito dos seus personagens. Afinal, Andrew é uma figura tridimensional no sentido de que ele nos diverte em um momento e no outro nos deixa ver suas tendências autodestrutivas alimentadas por falta de maior maturidade. Domino não é tão bem trabalhada, mas está bem acima do personagem feminino clichê desse tipo de filme. É uma figura com vida anterior e genuinamente surpreendida pela experiência com um rapaz mais novo. Tanto Raiff quanto Johnson compõem e vivem seus personagens admiravelmente e com naturalidade. Assim como o filme todo, eles fazem parecer fácil retratar essas figuras.

Claro, aqui e ali aparecem as canções de tom ligeiramente emo na trilha sonora que, às vezes, soam intrusivas e a jornada de jovens rapazes privilegiados em busca de si mesmos é algo que o cinema já explorou à exaustão. São problemas menores para um filme que se revela maduro e um pouco mais complexo do que uma eventual sinopse poderia fazer parecer.

No fundo, se sai de “Cha Cha Real Smooth” com uma boa sensação de termos visto a evolução de um retrato positivo de masculinidade e uma sensível história sobre como o amor pode ser experimentado em diferentes fases da vida. Dá até para perdoar o título esquisitinho, alguns personagens, situações familiares e algumas das canções.

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