Dom (2021), nova aposta da Amazon Prime, é uma série que desperta as mais diversas emoções. Livremente inspirado no romance homônimo escrito pelo titã Tony Belotto e também em O Beijo da Bruxa (2010), de Luiz Victor Lomba (pai do Pedro), a produção narra a história verídica de Pedro Dom, “o bandido gato” que aterrorizou a elite carioca no início dos anos 2000.
Filho de ex-policial e bem-nascido, Pedro poderia ter tudo que um garoto branco e privilegiado quisesse. Seu espírito caótico, entretanto, lhe puxou para o mundo das drogas e crimes. m algum momento dos oito intensos episódios, descobrimos que Pedro quase não tem sensibilidade à dor física, um caminho fácil para o seu mundo intenso, violento, insano e sem quaisquer fronteiras que lhe aprisionem.
Porém, “Dom” não é só isso: o diretor Breno Silveira (“Os Dois Filhos de Francisco”) apresenta uma estrutura não-linear ao traçar o paralelo de Pedro com o jovem idealista Luiz Victor (Filipe Bragança). Nos anos 1970 no auge da Ditadura Militar, ele entra na polícia e se infiltra na favela de Santa Marta onde um novo caos urbano assombra as autoridades: a cocaína. A grande ironia é que Victor lutou contra a proliferação das drogas, mas não conseguiu salvar o seu filho de se viciar em algo que ele trabalhou por quase toda a vida para acabar.
NOTA DO AUTOR: interessante como toda história de um playboy branco que envereda para o crime sempre ganha holofotes, livros, filmes, séries. Como se quisessem de alguma maneira humanizá-los (eis aí o privilégio branco): exemplos não faltam como Meu Nome Não é Johnny (2008). Enquanto isso, os jovens negros e periféricos são sempre vistos como parte do problema de uma estrutura desigual. Mas não precisamos ter suas histórias contadas, afinal, quem se importa?
ELENCO EM ALTO NÍVEL
Muito do êxito de “Dom” advém da fotografia e ambientação que se casam perfeitamente em uma linguagem frenética, intensa, escura em grande parte da produção, solar quando está nas fases amenas. O destaque total, entretanto, vai para o trio de protagonistas da série: Filipe Bragança, muito sutil. Flávio Tolezani, o maduro Victor e agora pai, está fantástico. Ele imprime dor, imponência e vulnerabilidade em uma mesma sequência, coisa que só bons atores conseguem fazer.
E Gabriel Leone, o Pedro Dom, grande nome da nova geração de atores, entrega um trabalho fabuloso. Fúria, inteligência, carisma, repulsa, violência. Adjetivos não faltam nas nuances que ele envereda. O seu olhar quando está entrando na Febem, dá medo e você compreende que a partir dali, o Pedro não mais será o mesmo, mas pior!
Raquel Villar (Jasmim), Isabella Santonni (Viviane), Ramon Francisco (Lico) e Digão Ribeiro (Armário) também estão em perfeita sintonia como parte do “bonde” dos crimes de Pedro. Laila Garin (Marisa) é a representação perfeita da mãe sofrida e Mariana Cerrone (Laura) a amorosa e irmã pé no não. Importante citar Fábio Lago (Ribeiro) em mais um desempenho seguro e impactante.
HISTÓRIA DE SALVAÇÃO
“Dom” é uma série que merece ser vista por pais e filhos, pois está para além dos crimes e adrenalina que transparece na tela. É o resgaste também do amor fraterno, a busca desenfreada por um pai em salvar o seu filho dele mesmo. A angústia de uma família que adoece junto com um viciado como ele. Não há escapatória. Ninguém sai ileso quando há uma pessoa doente no seio familiar.
Os laços se quebram e se refazem diariamente. Como desistir de um filho amado? Essa é uma das inquietações reflexivas. A conexão é mais forte e mesmo que não haja mais força física e mental.
Ainda que haja entre os pais uma idealização de um filho(a) perfeito(a), normal, aos olhos da sociedade e ele não cumpre esse papel, pois está fora da curva, no fim do dia, ele, com todos os erros, crimes, internações (foram mais de quinze), ainda é o seu filho! “Dom” também é uma história de amor entre esse pai que não mede esforços para salvar a sua cria.
NOTA DO AUTOR 2: esse texto foi elaborado antes da polêmica que está cercando a série. A irmã mais velha de Pedro Dom usou as redes sociais para acusar seu pai e equipe da inveracidade na história (especialmente a imagem imaculada do “pai herói”, que descobrimos ser uma falácia) e do sofrimento causado na família com essa repercussão voltando à tona. Particularmente, não compactuo com essa história, mas compreendo que a série é uma produção ficcional, tanto que em cada episódio há o aviso de “inspirado em fatos reais”, inspiração na realidade, mas é ficção! Conforme for, toda nossa solidariedade à mãe e irmã. Agora, vai de você, caro leitor, assistir ou não.