Certa vez o autor de novelas e ex-todo poderoso da Globo, Sílvio de Abreu, disse que o povo brasileiro não gostava de ver pobreza na televisão, por isso suas novelas e de outros autores, sempre tinham como personagens principais pessoas ricas. Vamos além! Isso se manifesta também em outras áreas como o cinema. No caso, cinema brasileiro. Ao longo dos tempos, diversas histórias foram contadas de pobreza, crimes, violência, comédia e pornanchachada. Temos os nossos gêneros que fizeram/fazem sucesso nas telonas. Mas um fato incontestável é que sobram histórias contadas pelo viés do homem branco e rico.

“Meu Nome Não é Johnny” (2008), “Vips” (2010), “Heleno” (2011) são um dos muitos exemplos que exaltam a figura desse homem branco, rico e que, de certa forma, os humanizam, fazendo do espectador se compadecer com aquele sujeito, pobres coitados!

Só recentemente tivemos a descentralização de outras narrativas importantes como em “Pureza” (2019), “Marighella” (2021) e “Doutor Gama” (2021), personagens reais, mulher cabocla e homens negros e militantes. Ainda assim, em um país que tem uma vasta história com diversos nomes que foram lideranças e/ou personalidades interessantes e que merecem ter suas histórias contadas para o grande público, ainda é pouco.

ASCENSÃO E QUEDA DE UM MILIONÁRIO

Nesse interim, chega aos cinemas “Eike – Tudo ou Nada”, mais um filme que disseca e exalta a figura do homem branco e rico, no caso dele, bilionário. Mas, aqui, há outras circunstâncias. Dirigido e roteirizado por Andradina Azevedo e Dida Andrade (“A Bruta Flor do Querer” e “30 Anos de Blues”) e produzido por Tiago Azevedo, o longa se baseia no livro homônimo de Malu Gaspar para contar a história de ascensão e queda de um dos maiores empresários que o Brasil já teve. Um cara Bossa Nova, bem-relacionado e ambicioso, que viu sua fortuna e prestígio se esvair em pouco menos de 10 anos.

Nas entrelinhas, Andradina e Dida usam do artifício do poder desse homem para contar, também, da esperança de mais poder com a descoberta do Pré-Sal e a relação entre o privado e o governo que sempre andaram de mãos dadas em prol deles mesmos.

E Eike (magistralmente interpretado por Nelson Freitas) tinha um discurso, basicamente, meritocrático. “Vamos crescer juntos!”, “vou te tornar um milionário”, “sou patriota”, entre outras frases de efeito que, fizeram dos seus, então, aliados, os grandes responsáveis por toda essa confusão e a cegueira pelo lucro e domínio.

CORRUPÇÃO NOSSA DE CADA DIA

Ainda assim, “Eike – Tudo ou Nada” é inconstante e irregular. Quando decide ir pelo lúdico, em um filme dentro do filme, a obra fica mais interessante, mas quebra o clima de antes e depois, pois volta naquela narrativa de voz em off do personagem de Thelmo Fernandes que simplesmente some (a voz em off) ao longo dos 110 minutos. “Eike” soa uma obra incompleta, até enfadonha, que faria mais sentido se fosse uma minissérie.

O elenco é quem consegue segurar de fato o filme. Freitas está assombroso no papel principal e de nada lembra o ator conhecido por integrar por anos o Zorra Total. Xando Graça, Thelmo Fernandes, Marcelo Valle e André Mattos são excelentes e deixam o seu brilho em tela, grandes atuações, será difícil escolher quem irá concorrer aos prêmios de coadjuvante nas premiações. O mesmo não se pode falar de Juliana Alves e Bukassa Kabengele, sem muito o que entregar pelo pouco tempo de tela e falas, mas com presenças espirituosas. E Carol Castro como Luma de Oliveira é um deslumbre.

“Eike – Tudo ou Nada” conta a história megalomaníaca de um homem já poderoso que queria os domínios todos para si com uma equipe que acreditava nele, mas viu todos esses sonhos se esvaírem por conta da cegueira, impulsividade e corrupção à lá brasilidade tupiniquim.