Quando o cinema de grife encontra uma grife de roupas o resultado é algo como este “Estranha Forma de Vida”. Claro que comerciais travestidos de curtas, feitos por diretores famosos, não são novidade. Wes Anderson que o diga. Até mesmo o soldado-mor do cinema, Martin Scorsese, já rodou VT de hotel-cassino com a ajuda de seus amigos famosos.

Portanto, que Pedro Almodóvar assine uma produção da Yves Saint-Laurent não surpreende nem um pouco. A novidade é que o resultado da empreitada, exibido em Cannes e distribuído pela Mubi, encontre distribuição comercial nas salas de cinema.

Claro que surge um pepino para a distribuidora: como cobrar R$ 40 por um filme de meia-hora? A solução encontrada foi tascar uma entrevista de Almodóvar no restante da projeção, que totaliza 80 minutos. E, por mais que seja simpático ouvir as digressões do madrilenho sobre o western americano, é difícil espantar o cheiro de caça-níqueis que recobre a empreitada.

‘OBRA MENOR’

Não que “Estranha Forma de Vida” seja ruim; longe disso. O caso é que o projeto tem um quê de incompleto – ou até de vão. Como se, chegando ao final, tudo fosse decidido meio às pressas – afinal de contas, trata-se apenas de um longo e luxuoso comercial.

O que é uma pena, porque (passada a estranheza inicial oriunda do choque entre o kitsch almodóvariano e o western americano) rapidamente mergulhamos no drama da coisa: um xerife (Hawke) recebe a visita de um antigo amante (Pascal), a quem não vê há duas décadas. Mas o reencontro dos dois é marcado por circunstâncias bem menos que ideais, colocando os ex-parceiros em lados opostos da lei.

Solo fértil pro melodrama tão caro ao diretor, percebe-se, que mescla a amplidão das paisagens desérticas à tradicional artificialidade e fineza da iluminação de suas cenas interiores. É estranho ouvir seus diálogos ditos em inglês – ainda mais na voz grave de Ethan Hawke, que, por algum motivo, parece tentar soar o mais rouco possível no filme – mas, afinal de contas, filtrar referências da Hollywood clássica pela sua sensibilidade particular é o que Almodóvar tem feito por toda a sua carreira. Nesse sentido, “Estranha Forma de Vida” nada mais é que o fechamento de um circuito iniciado mais de quatro décadas atrás com “Pepi, Luci, Bon y Otras Chicas del Montón”.

De resto, é mais que sabido que Almodóvar sabe contar uma história. Some isso aos acordes intensos de Alberto Iglesias e fica difícil resistir – o que só aumenta a frustração diante da frivolidade final. Momentos comoventes e poéticos, como o do romance sob uma fonte de vinho, tornam-se desperdiçados naquilo que já nasce sob a efígie de “obra menor”.

Pelo seu e pelo nosso bem, Almodóvar não deveria cansar seu talento com filmes publicitários. Por outro lado, todos têm que pagar suas contas…