Foi sem absolutamente nenhum alarde que “Tudo é Possível” entrou no catálogo do Amazon Prime Video. Despejado com indiferença na plataforma, o filme de Billy Porter (que recentemente pôde ser visto como a fada madrinha na novíssima versão de “Cinderela”, também do Prime) parece ter sido mesmo feito com o único propósito de ser esquecido. Pena, já que sua premissa parecia, ao menos, conter a promessa de injeção de novos ares na comédia romântica adolescente. 

Isso porque temos aqui um filme protagonizado por uma atriz trans e preta, Eva Reign, sobre uma adolescente trans e preta. Sem dúvida, uma oportunidade para a exploração de novas perspectivas dentro do gênero, não? Nem tanto; está mais para um daqueles chamarizes prontos que ficam bonitos no pitching

Mais do mesmo

Isso porque a abordagem escolhida pelo time criativo é a dos lugares-comuns. Não que houvesse qualquer obrigação por parte de “Tudo é Possível” em reinventar a roda; esta poderia ser uma história contada de forma simpática e competente (mesmo que longe de revolucionária) se o filme denotasse qualquer interesse real em tratar seus personagens como algo além de totens fáceis. 

Não é o caso. Aqui, acompanhamos o dia a dia da jovem Kelsa (Reign), que investe o tempo livre gravando vídeos sobre seus anseios, desejos e o processo de transição. Enquanto isso, Khalid (Abubakr Ali), seu colega impossivelmente fofo das aulas de arte, está completamente caidinho pela menina. Eles logo ficam juntos e, a partir daí, “Tudo é Possível” está fadado a tentar disfarçar o fato de que não tem nada a dizer introduzindo, de tempos em tempos, algum micro conflito repetitivo que, em poucos minutos, se resolverá. Nada tem peso, porque o longa não parece se interessar realmente por nada que nos apresenta. O mais importante, aparentemente, é que tudo seja bonitinho e fofo. 

Lisura total

É pior que ficar no lugar-comum; é uma versão pasteurizada e inofensiva da fase mais confusa e bagunçada da vida de um ser humano, como se “Tudo é Possível” quisesse tratar de algo relevante e interessante, mas sem ter realmente o que mostrar (ou sem interesse de ir além de um compilado de palavras-chaves). Proliferam-se, então, os diálogos didáticos que aparecem sempre que um daqueles micro conflitos precisam ser prontamente resolvidos. O resultado: o longa parece ter menos interesse em construir a protagonista, por exemplo, do que em mostrar que está do lado certo da justiça social. 

Curioso, então, que, em sua abordagem visual, Billy Porter remeta a uma versão açucarada de um, digamos, “Oitava Série”. Como naquele filme, “Tudo é Possível” também se interessa pelo modo como as lamúrias e ansiedades pubescentes surgem mescladas à profusão de telas das redes sociais. Mas, se o longa de Bo Burnham parecia partir desse ruído informacional para chafurdar em dissonâncias, Porter se contenta com a versão “filtro do Instagram” da coisa toda. A lisura é total, e qualquer possibilidade de uma perspectiva nova é atropelada pelo rolo-compressor da pieguice de Porter. 

Tentando agradar a qualquer custo, “Tudo é Possível” se revela, no fim das contas, mais um compilado genérico de boas intenções do que um filme.

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