Dois gigantes do cinema brasileiro juntos em fuga da repressão pesada da ditadura militar compõe o documentário “Extratos”, dirigido por Sinai Sganzerla e selecionado para a mostra competitiva de curtas-metragens nacionais do Festival de Gramado 2020. Mais do que o simples registro por si só histórico, a viagem de Helena Ignez e Rogério Sganzerla por Rio de Janeiro, Salvador, Londres, Marrakech, Rabat e o deserto do Saara retratam a angústia pela perda da liberdade e, acima de tudo, de um lugar seu no mundo.
Por mais que os locais por onde passam sejam de incrível beleza e riqueza cultural absurda, os registros feitos por Sganzerla e Ignez possuem um claro sinal de melancolia, passada, especialmente, no olhar sem vida dos dois. São corpos transitando, indo e vindo, mas, a mente, a cabeça não está ali. Como diz Helena em uma narração feita de maneira lúcida ainda que carregada da angústia das lembranças, o questionamento de não se saber para onde vai e qual o fim daquilo é uma constante para que vive em fuga, principalmente, quando trata-se de uma fuga pela sobrevivência, pela existência.
Por mais que se viva aproveitando ao máximo tudo o que o mundo pode oferecer, haverá sempre aquele sinal interno de que algo não está certo. Nisso, a câmera de Sganzerla, irrequieta e observadora, encontra na montagem de Sinai e Claudio Tammela um dinamismo poético complementada a uma trilha sonora dolorosa, mas, certeira.
A melancolia de “Extratos” e suas imagens doem a cada dia deste 2020 quase distópico, onde voltamos a ver o autoritarismo e a repressão ganharem novos velhos rostos. Se antes os cidadãos eram chamados de elementos, como diz Helena, hoje, ganham se tornaram apenas números de vítimas fatais pela COVID-19 sem que isso signifique alguma coisa para quem comando este Brasil com ares de naftalina, isso para não falar da perseguição aos artistas, minorias e a liberdade de expressão voltam a ser perseguidos.
Resta a nós, mais uma vez, desenvolvermos interiormente para que tudo melhore.