A história de uma boneca assassina com produção do James Wan em parceria da Blumhouse. Tal descrição insere “M3gan” em um círculo tão predefinido de expectativas por parte do mercado e do público que praticamente limita qualquer desejo de ser algo mais. E longe de mim dizer que se fechar a este escopo seja ruim visto que muitos dos bons filmes de terror recentes do cinema americano vieram justamente desta dobradinha – “Maligno” e as séries “Invocação do Mal” e “Jogos Mortais” são provas disso. 

Ainda assim, impossível não olhar para “M3gan” e notar como poderia ser maior com um pouco mais de ambição que não fosse apenas iniciar uma nova franquia. Há ali uma ficção científica, comédia e drama suficientes para explorar um universo de possibilidades capazes de enriquecer o terror, mas, há a sensação de que isso está travado dentro da engrenagem a qual o filme precisa estar inserido. 

ATUALIZANDO REFERÊNCIAS

Dirigido por Gerard Johnstone (“Housebound”), a produção traz a pequena Cady (McGraw) após se salvar de um trágico acidente de carro que vitimou os pais. Ela vai morar com a tia Gemma (Allison Williams), profissional de uma empresa de brinquedos que está à frente de uma revolucionária boneca intitulada M3gan (acrônimo de “Model 3 Generative Android”). O protótipo faz companhia para Cady, tornando-se uma grande parceira, porém, aos poucos, ela se desenvolve a ponto de virar uma ameaça para que ousar desagradar a menina. 

Não precisa ser muito ligado em ficção científica para notar como “M3gan” bebe da fonte de clássicos da ficção científica, seja na literatura como “Eu, Robô”, do mestre Isaac Asimov, seja do cinema com “O Exterminador do Futuro“, de James Cameron. Os limites éticos de atuação destes robôs assim como o temor de até onde a inteligência artificial projetada para eles pode alcançar e se tornar uma consciência autônoma permeiam a obra. Isso se soma a debates do cotidiano como a tecnologia substituindo as relações humanas mais básicas, especialmente, nas crianças com um retardamento do processo de transição da infância para a adolescência.  

O roteiro de Akela Cooper (“Maligno”) trabalha tais dilemas em bases simples, mas, bem resolvidas na primeira parte do filme. Mesmo não sendo o foco projetado inicialmente, o drama na relação tia e sobrinha chama atenção, afinal, Cady sofre com a solidão e a traumática perda dos pais, enquanto Gemma, jogada no furacão de uma hora para outra, se vê pressionada para manter o desejo da irmã, conseguir distrair de uma alguma forma a garota, mas, sem perder o foco na grande oportunidade da vida em crescer profissionalmente. Justo neste espaço vazio que entra a boneca em um processo de quase substituição da figura da tia – nada muito diferente do que ocorre com jovens espalhados mundo afora diante de problemas familiares que encontram acolhimento na internet mesmo em grupos mais radicais. Não é nada novo, mas, reciclado de forma eficiente e encaixado da forma correta.

CONTRASTES FUNCIONAIS

“M3gan” (o filme), entretanto, como disse lá no início do texto, não foi criado para ser um drama sobre os vazios na adolescência e da influência, por vezes, perigosa do meio virtual. Espera-se dele um filme de terror igual aos que surgem na logo da Blumhouse, porém, com uma consciência de que este já foi um caminho percorrido anteriormente por Chucky e a série “Boneco Assassino”.  

Daí, a opção pela sátira em que as cenas aterrorizantes ganham ares quase pueris, como se fosse uma brincadeira de criança – a dancinha da vilã ao matar um personagem escancara à perfeição esta proposta sem esquecer, claro, criar um momento ideal para viralizar no TikTok. E aqui, a composição física da personagem, ciborgue nas expressões e no olhar, mas, humana na agilidade e inteligência, tornam este jogo estranho sofisticado. 

Ainda assim, no fim das contas, fica a incômoda sensação de que tamanha despretensão impede “M3gan” de ir além. Todas as ricas possibilidades fornecidas na primeira parte se diluem para caminhos previsíveis, culminando em um ato final de imensa pobreza criativa. Nada, claro, que incomode a Blumhouse e James Wan que já garantiram uma nova franquia para gerar continuações em série – e não duvide ainda de um embate M3gan x Annabelle.