É bem revelador que todos os momentos em que Leonard Bernstein (Bradley Cooper) aparece conduzindo uma orquestra em “Maestro” evidenciem o olhar de Felicia Montealegre Cohn (Carey Mulligan). O filme não faz questão de ser uma biografia com início, meio e fim sobre o compositor: a segunda investida de Cooper na direção é um drama de família, uma história sobre um casal interligado por bem mais que as quase três décadas em que estiveram juntos.  

Já nos primeiros segundos de filme, a pista vem na forma de uma frase de Bernstein sobre uma obra de arte não ser feita para responder perguntas. Se quem assiste a “Maestro” o faz com a intenção de saber como o artista ganhou o status de lenda da música clássica e do teatro, talvez quebre a cara. O máximo que se tem sobre a carreira de Bernstein é uma citação aqui, outra acolá, que servem mais para situar o espectador no tempo do que para explicar os pormenores do processo criativo de cada peça. “Amor, Sublime, Amor”, por exemplo, é mencionada rapidamente em uma cena de entrevista, e retorna depois como uma espirituosa forma de anunciar a presença de amantes, tal qual os Jets e os Sharks do musical inspirado em Romeu e Julieta.  

Uma composição em elipses 

É nítido o quanto “Maestro” se vale de preciosas inspirações na sua construção visual, como o pessimismo de Bob Fosse em “Lenny” e “All That Jazz”. Produtor do filme junto com Steven Spielberg, Martin Scorsese é outro mestre que paira no ar, já que Bradley parece emprestar a ideia de “O Aviador”, que anunciava cada passagem temporal com o uso de uma técnica clássica de cada uma dessas épocas.  

Em “Maestro”, além da mudança de razão de aspecto, os primeiros encontros de Leonard e Felicia, no fim dos anos 1940, são marcados pela rapidez das conversas dignas das screwball comedies daquela década. Já as cenas ambientadas nas décadas seguintes têm influência da televisão e de clássicos de Alfred Hitchcock – em cenas dos anos 1950 e 1960, Mulligan surge loira e com visuais que emulam Grace Kelly, Kim Novak e Tippi Hedren. 

Sempre um palco, sempre no palco 

Em “Maestro”, a história de Bernstein começa e termina junto à de Felicia. Ainda assim, o filme não evita mostrar que aquele era um casamento com muitos problemas e que, em determinado momento, suas vidas se separaram. Esse movimento é mostrado com destreza no filme de Cooper, desde a primeira aparição da personagem de Mulligan, saindo de um ônibus como uma visão, um ser iluminado.  

Não dá para negar que o retrato da personagem é moldado pelo olhar masculino e que isso é uma fraqueza de “Maestro”. A perspectiva do compositor é o que rege até mesmo o observar de Felicia e suas percepções sobre a bissexualidade do marido (tema que, assim, aparece pelo olhar do olhar do olhar de outro). 

O pouco que sabemos de Felicia é mostrado em junção ao marido, seja em conversas nas quais ela conta sobre sua vida, montagens que colocam os êxitos dos dois em paralelo e pelo próprio Bernstein, que começa falando sobre ela, mas depois fala por ela, sobre os sentimentos (e ressentimentos) dela. Nesse sentido, a confusão sobre esse afastamento (e depois o reencontro) do casal tem uma resolução que não faz uma rima equilibrada com a beleza dos primeiros momentos deles juntos.  

Em contrapartida, Mulligan constrói com muita sensibilidade essa personagem, que, no fim das contas, é a quem se refere o título do filme. Felicia é a grande condutora da orquestra da família Bernstein. Isso se vê em momentos como quando o compositor mostra que precisa dela até para se vestir, ou quando ela não deixa que “Lenny” mude seu sobrenome para um que seja, segundo o pai dele, mais “aceitável”, como Berns.  

Junto a ela, Cooper não se rende ao recurso barato da atuação que usa a maquiagem como máscara. Nem se enganem com o film twitter: ele realmente está bem parecido com o compositor e o trabalho de caracterização é sensacional (melhor ainda que o de Mulligan), mas ainda dá para perceber que ali tem um ator interessado em investigar a complexidade de um artista que vivia no e para o palco.  

E é no palco que o filme se torna mágico. O efeito natural das cenas de show de “Nasce Uma Estrela” dão lugar a uma grande brincadeira visual, que faz uma janela de um apartamento qualquer parecer com a visão de alguém sentado na plateia do Carnegie Hall, esperando a cortina abrir para que o espetáculo comece. E, quando ele começa, consegue ser frenético, com falsos planos-sequência que seguem o compasso da mais enérgica das orquestras.   

Cooper usa o palco para revelar as verdades do filme, sejam elas desilusões amorosas, novos romances em ebulição, crises de fé, e, claro, a genialidade de Bernstein como regente. Quando ele coloca a câmera nesta perspectiva, ele faz do público parte daquele espetáculo também. Um espetáculo imperfeito, por vezes torto, sobre um amor que nem sempre caminhou em linha reta, nem sempre foi amor romântico, mas que deixou uma marca indelével na obra do maior entre os maiores compositores estadunidenses.