Toda vez que se inicia a produção de um filme, cineastas participam de um jogo de roleta: por mais bem planejada que seja a obra e não importando o quão bons sejam os colaboradores que eles vão reunir para participar dela, tudo ainda pode acabar mal. Cinema é imprevisível, por mais que as fórmulas, as tendências de mercado e analistas de marketing tentem adivinhar como o público vai receber um filme. Este Chaos Walking meio que representa isso: tem um diretor capaz, um elenco ótimo e um conceito interessante por trás dele. Ainda assim, o resultado é uma droga. É um filme que tinha vários elementos a seu favor, mas a experiência de assistí-lo é frustrante e aborrecida.
Afinal, um filme dirigido por Doug Liman, que já realizou sucessos como A Identidade Bourne (2002) e No Limite do Amanhã (2014), e estrelado por dois dos jovens atores mais badalados do momento em Hollywood, Tom “Homem-Aranha do MCU” Holland e Daisy Ridley, da recente trilogia Star Wars da Disney, deveria chamar mais atenção. E uma breve pesquisa já dispara um alerta amarelo em torno da obra: vários roteiristas estiveram atrelados ao projeto, incluindo, curiosamente, Charlie Kaufman. O longa foi rodado em 2017 e deveria ter sido lançado no começo de 2019, mas só agora o estúdio Lionsgate o coloca à disposição do público.
Baseado no primeiro livro de uma trilogia de romances jovens de Patrick Ness, Chaos Walking se passa num futuro em que a humanidade abandonou a Terra e começou a colonizar outros mundos. Tudo ocorre num planeta em que os pensamentos e ideias de todos os homens da população podem ser vistos e/ou ouvidos. Igual a balões de pensamento das histórias em quadrinhos, vozes ou imagens que eles pensem aparecem como uma “fumacinha” sobre suas cabeças, para que todo mundo veja – isso é chamado pelos personagens de “ruído”. Todd, vivido por Holland, é o jovem herói, vivendo numa comunidade só de homens. Um belo dia, uma garota, Viola (Ridley), cai no planeta, sinalizando a chegada de novos colonos. Ela começa a ser perseguida – por razões que acabam sendo mais ou menos explicadas ao longo da narrativa – e conta com a ajuda de Todd para conseguir escapar e contatar sua expedição.
GRANDE ELENCO JOGADO FORA
Visualmente, Chaos Walking tinha potencial, mas acaba decepcionando. A fotografia do filme é desinteressante, com visual dessaturado e sem cores fortes; o clichê desse tipo de produção. Além disso, é o tipo de filme que necessita de uma construção de universo, mas ela é feita de modo ora apressado, ora inconsistente. A história do mundo colonizado não é muito bem explicada nem mesmo ao final do filme e, a certa altura, aparecem os alienígenas que dividem o planeta com os seres humanos.
Todd briga com um deles, o ET sai correndo, não os vemos mais e ficamos sem saber o objetivo deles na trama – talvez tenham sido guardados para uma sequência que agora não virá? E o tal do ruído, que poderia ser o diferencial do filme, rapidamente se torna cansativo – alguns espectadores poderão ter pesadelos depois da sessão com a frase “sou Todd Hewitt” repetida à exaustão pelo herói, e o vilão de David Oyelowo se torna exagerado ao extremo com seus pensamentos gritantes. A cacofonia de pensamentos mais atrapalha que ajuda o longa e, quando a experiência de se assistir a um filme entra em conflito com sua própria premissa, aí tem-se um problema grave.
Ah, sim, Oyelowo também está no filme, assim como Mads Mikkelsen, Cynthia Erivo e Demián Bichir. Ninguém pode reclamar desse elenco, embora todos recebam personagens bem genéricos e sem sabor para interpretar. Em compensação, merecem elogios a parte sonora do filme e seus editores, que sem dúvida devem ter tido um trabalhão para organizar e montar o fluxo de pensamentos dos personagens vistos na história.
FLOOP NA FANTASIA; FLOOP NO WESTERN
E narrativamente, exceto pela coisa dos pensamentos visíveis, o filme não traz nada de novo. É a mesma trama de jovens descobrindo algo importante e sombrio sobre a realidade que os cercam, e a demora em ser lançado fez de Chaos Walking um filme que chega ao público com anos de atraso. Se tivesse saído em 2019, ainda poderia ter tentado surfar o finalzinho da onda dos filmes de fantasia para jovens adultos. Mas em 2021, depois que o terrível Máquinas Mortais (2019) representou o prego no caixão dessas produções, não há mais o que fazer: o subgênero não tem mais ideias. O estúdio Lionsgate, aliás, foi o mesmo que lançou a franquia Jogos Vorazes, que se tornou o padrão desse tipo de produção em anos recentes.
A ideia de unir fantasia com um toque de western até que é interessante, mas, no fim das contas Chaos Walking desaba por sua trama clichê e pelos elementos irritantes, que talvez até funcionem em um livro, mas no cinema acabam parecendo apenas bobos. Nem uma leitura sobre os malefícios de uma cultura machista, nem a química entre Ridley e Holland, que curiosamente nunca fica romântica apesar dela ter acesso aos pensamentos meio embaraçosos dele, salvam o filme.
Chaos Walking acaba sendo um experimento curioso, provando que não basta só um conceito interessante para gerar um bom filme, assim como também às vezes não basta reunir um bom diretor com um grande elenco. Era um filme que tinha ingredientes para explodir mentes, e com certeza foi essa a intenção de seus realizadores no início do processo. O resultado final, no entanto, acaba provocando apenas dores de cabeça.