Às vezes, cineastas querem fazer experiências. Peguemos este “Ninguém Vai Te Salvar”, do diretor Brian Duffield: poderia ser um curta e se tornar algo memorável – afinal, o antigo seriado Além da Imaginação, no clássico episódio “Os Invasores” contou uma história com a mesma ideia básica que este filme, e o fez em menos de meia hora. E não se engane: “Ninguém Vai Te Salvar” é referencial, desde o design da fonte do seu letreiro de abertura, que parece reconhecer a inspiração no velho seriado de Rod Serling.

Do jeito que está, é um bom filme, porém mais preocupado com o aspecto de experiência do que em ter realmente um centro emocional para torná-lo algo realmente marcante dentro dos gêneros terror e ficção-científica. Vale a assistida e o filme está disponível no streaming do Star +, mas alguns minutos depois dos créditos ele já começa a desaparecer da mente.

“Ninguém Vai Te Salvar” conta a história de Brynn, vivida por Kaitlyn Dever. Ela é uma moça que vive sozinha em uma casa enorme e todos na cidadezinha ao seu redor – um típico pedaço de “Americana” que ela inclusive reproduz em uma maquete – parecem guardar um grande rancor contra ela, por razões que são explicadas ao longo da história. Apesar disso, Brynn leva uma vida idílica. Porém, em uma certa noite, a garota acorda assustada ao perceber que estão tentando invadir a casa onde mora. Mas não são invasores comuns: são alienígenas – e isso não é spoiler, porque o filme coloca as cartas na mesa logo nos seus primeiros minutos.

ONDE ACERTA

Duffield, um diretor ainda de pouca experiência, mas roteirista de longas como A Babá (2017), Amor e Monstros (2020) e Ameaça Submarina (2020), divide Ninguém Vai Te Salvar claramente em três atos. O primeiro, no qual Brynn tem de rechaçar os invasores, é o melhor e mais envolvente, e também bastante referencial: é como se fosse aquela cena de Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977), o clássico de Steven Spielberg, na qual os ETs chegam para abduzir o garoto loirinho, só que esticada.

Um dos diferenciais aqui e uma decisão criativa consciente por parte dos realizadores, é que o longa é praticamente sem diálogos. E na maior parte do tempo, temos apenas uma atriz em cena. Isso funciona muito bem nesse início do filme, quando Duffield explora bem sacadas visuais e o suspense trazido pela escuridão da casa. Também contribui muito para essa atmosfera o trabalho sonoro de Ninguém Vai Te Salvar: cada batida ou estalo na madeira da casa aumenta a tensão e os ruídos que os invasores fazem também é bem característico e esquisito. A trilha sonora de Joseph Trapanese demonstra inteligência e, em alguns momentos, a música se confunde com os sons diegéticos, do universo do filme, desorientando o espectador.

ONDE ERRA

Porém, no segundo ato, a heroína sai da casa e embora o filme continue se esforçando para contar a história visualmente, a ideia do “sem diálogos” começa a cobrar seu preço, porque a protagonista não consegue ser desenvolvida. O ritmo cai. E depois, no terceiro ato, volta-se ao confronto com os alienígenas, e então “Ninguém Vai Te Salvar” não consegue deixar de ser repetitivo: os ETs tentam pegar a heroína, ela escapa usando a inteligência ou aproveitando-se da sorte, e o ciclo começa de novo.

Felizmente, Duffield tem, ancorando a experiência, uma atriz fantástica: Kaitlyn Dever já vem brilhando há algum tempo em filmes como Fora de Série (2019) e séries como Inacreditável (2019) e Dopesick (2021). A atuação dela aqui é praticamente de filme mudo, não apenas porque a personagem quase não fala, mas porque ela usa a linguagem corporal, as expressões faciais e os olhos – principalmente estes – para expor o estado emocional da protagonista. Mais perto do final de Ninguém Vai Te Salvar, em alguns closes, Dever usa o rosto de forma inacreditável, chegando a fazer mais pelo desfecho da história do que os próprios elementos visuais que o diretor concebe.

E o próprio final do filme acaba revelando o quanto o longa ficou devendo. O diretor deixa para explicar o que aconteceu com Brynn quando a trama já está perto do fim, mas aí já é tarde para ajudar na construção da empatia pela personagem. Depois de várias situações repetitivas no jogo de gato-e-rato entre a heroína e os antagonistas, “Ninguém Vai Te Salvar” acaba caindo em uma indiferença, da qual nem o ótimo trabalho de Dever consegue retirá-lo.

O que era para ser uma experiência emocional com um final ironicamente humano, acaba sendo apenas mais um desfecho “espertinho” e parecido com de outros filmes que já vimos antes – além disso, há tempo para mais algumas referências, agora ao clássico Vampiros de Almas (1956). “Ninguém Vai Te Salvar” é um exercício, uma obra de roteiro e direção seguras do que querem fazer. Mas falta aquele próximo passo, aquele que Serling e Spielberg conseguiram dar, para fazer a história ficar na cabeça e, sobretudo, no coração do espectador por bastante tempo. Duffield tenta, mas é possível tirar 10 em um exercício, ainda mais sem ter tanta inspiração assim.