A rotina de uma mulher com mil atividades para dar conta ao longo de um dia. Esse pode ser o tom principal de “One Fine Morning”, novo filme de Mia Hansen-Løve. Junto a ele, entretanto, acompanha uma série de camadas sobre relacionamentos e a arte da vida em meio às angústias. 

Seguimos o cotidiano de Sandra (Léa Seydoux), uma jovem mulher que precisa lidar com o pai sofrendo com uma doença degenerativa, a filha pré-adolescente e um romance de juventude. Esses relacionamentos, que ocupam a área central de sua vida, deságuam em várias obrigações, preocupações e situações desagradáveis que precisam ser solucionadas ao longo de seus dias. A sensação que passa, em muitos momentos, é a de que a qualquer momento ela irá explodir. Hansen-Løve, no entanto, flerta com o cenário, mas não permite que ocorra, diluindo o que para outros cineastas seria motivo de catarse. 

A escolha da diretora e roteirista, contudo, abre margens para que percebamos o quanto certas coisas não merecem o imediatismo com o qual lidamos na sociedade contemporânea, criando novas significações para os espaços emocionais que tem urgência de serem ocupados. Isso ocorre, principalmente, porque os vínculos da protagonista em “One Fine Morning” estão frágeis, a um ponto de serem partidos. A cineasta evidencia isso por meio do pai de Sandra (Pascal Gregório) e a doença que destrói sua visão, seus movimentos e atinge até mesmo a capacidade de reconhecimento. Em meio a tudo isso, a personagem de Seydoux precisa se manter firme e sólida, tal qual uma âncora. 

Esta durabilidade e resistência, que Sandra evoca, se constrói no decorrer de toda a trama e as vicissitudes que a cercam. Ela precisa cuidar do pai e da doença – temendo ser portadora da mesma -, ao mesmo tempo em que é mãe solo, viúva, profissional e, depois de uma década, volta a sentir-se uma mulher desejada e sexualmente ativa. O mais interessante é que a diretora consegue fazer tudo isso se desenvolver de forma orgânica, as situações fluem de forma comum, natural. 

AMBIVALÊNCIA COMO CHAVE

Parte deste naturalismo é provocado pela cinematografia de Denis Lenoir (“Irma Vep”) junto ao design de produção que apresentam cores fortes e saturadas, oferecendo textura, volume e profundidade de campo à vivência de Sandra, especialmente em seu constante movimento caminhando pelas ruas, entrando e saindo do metrô, de apartamentos e escritórios. O cenário nos entrega uma Paris prosaica, apontando a maturidade como a personagem encara a existência entre uma situação e outra. 

O ritmo imposto pela montagem de Marion Monnier (“Personal Shopper”) desenvolve uma cadência em “One Fine Morning”, na qual as circunstâncias se amarram uma a outra por meio de quebras de expectativas. As sequências ambivalentes evidenciam a multiplicidade de ocupações que cercam Sandra e a ausência de tempo e dedicação para que suas necessidades pessoais sejam compreendidas e supridas. Ela sempre está a disposição de atender alguém e ocupar seus espaços significativos, mas, nesse ínterim, que tempo realmente sobra para perceber-se em meio ao turbilhão que enfrenta? 

Neste ponto, o romance revivido de sua juventude toma forma e fôlego. Reconhecer-se enquanto mulher, apta e disposta a paixão; é, talvez, a única maneira que Sandra encontra de ter um motivo em função de si para existir. Embora seja jovem, chama atenção como Hansen-Løve coloca o envolvimento romântico não apenas como o alento da protagonista, mas também indicativo de seu amadurecimento na qualidade de indivíduo. Seu affair não é fantasiado ou discutido – pela posição de amante que ocupa -, mas é maturado o suficiente para que ela entenda seu papel e, ainda assim, o traga para o convívio de sua família. 

No final das contas, “One Fine Morning” também é sobre amadurecimento para compreender seu lugar dentro do escopo social que está inserido e saber lidar com as circunstâncias que surgem no decorrer do caminho, afinal em meio a tantas decepções, há um mar de situações acontecendo em paralelo que não podem ser deixadas de lado. E é isso que torna a produção de Hansen-Løve tão significativa: ser delicada ao mesmo tempo em que é intensa.