Reside na presidência de Jair Messias Bolsonaro um certo grau de beleza.  

É uma beleza doida, sem noção e tentar entender o que ocorre a partir de um padrão lógico é uma tarefa inútil, pois, simplesmente não há. 

Bolsonaro, por exemplo, é capaz de jogar fora uma importante vitória (pelo menos, para o governo e o mercado) como a aprovação da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados para dar foco à ‘genial’ pretensão de colocar o filho 02, Eduardo, na embaixada brasileira nos EUA.  

É o mesmo Bolsonaro que joga contra o próprio turismo do Brasil ao atacar um dos principais ativos do setor – no caso, o carnaval.  

É o mesmo Bolsonaro que sai de Washington cedendo tudo em troca de nada e ainda faz discurso de vencedor.  

É o mesmo Bolsonaro que permite o filho 01, Carlos, e o guru, Olavo de Carvalho, atacar todos os integrantes do governo (incluindo, militares), e dizer que não tem nada com isso. 

É o mesmo Bolsonaro que segura por mais umas semanas um incompetente ministro da Educação apenas para contrariar uma notícia da Globonews. 

É o mesmo Bolsonaro que… (coloque aqui o seu momento favorito). 

Para cada ato, frases de efeitos com aquela lacrada básica para atingir os Trendings Topics, alegrando o dia dos seus robôs, ops, digo, seguidores virtuais. 

Dentro desta (i)lógica, nada mais apropriado do que aproveitar a cerimônia de 200 dias de governo para mais uma ‘mitada’:  

“Eu não posso admitir que com o dinheiro público se faça filmes como da “Bruna Surfistinha”. Não dá”. 

A frase apenas confirmou o que adiantara Mônica Bergamo, colunista da ‘Folha de São Paulo’: Bolsonaro achou um novo inimigo da pátria e ele atende pelo cinema nacional. 

Na verdade, até demorou demais essa investida contra o setor.  

Afinal, o perigo vermelho, pró-PT, ameaçando os valores da família de bem brasileira reside neste meio de desocupados, saqueadores dos cofres públicos, gays, lésbicas, maconheiros e, claro, V-A-G-A-B-U-N-D-O-S, segundo o pensamento do atual ocupante do Palácio do Planalto. 

Atacar o audiovisual brasileiro, entretanto, não faz sentido como prova os seguintes aspectos: 

  • O setor gera R$ 25 bilhões ao ano, equivalente a 0,46% do PIB nacional; 
  • A indústria do audiovisual é mais forte atualmente no Brasil do que a têxtil, de produção de eletrônicos e de informática, farmacêutica; 
  • Mercado do audiovisual cresceu 153% em oito anos, na contramão do que ocorreu com o país; 
  • Crescimento do setor de mídia e entretenimento no Brasil para os próximos anos está estimado em 4,6%, segundo estimativa da PricewaterhouseCoopers; 
  • A descentralização da produção brasileira permitiu que estados fora do Sul/Sudeste conseguissem fazer seus primeiros longas com distribuição em todo país em décadas – o Amazonas, por exemplo; 
  • O audiovisual emprega, pelo menos, 100 mil pessoas ao redor do Brasil; 
  • A vitória de dois filmes brasileiros – “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” e “Bacurau” – no Festival de Cannes 2019, abrindo portas para boas chances no Oscar do ano que vem; 
  • A presença de longas nacionais em festivais ao redor do planeta – BerlimKarlovy VaryLocarno, San Sebástian, etc – nunca se fez tão presente quanto agora com os mais diversos diretores de várias regiões brasileiras; 
  • O crescimento de co-produções entre o Brasil e outros países, além das obras estrangeiras gravando cada vez mais no país – “Black Mirror” e “Sense8” que o digam; 
  • A importância cultural, histórica e identitária trazida pelo cinema como campo reflexivo e de debate sobre a nossa sociedade e dilemas, além de servir também como entretenimento para a população; 
  • O exemplo da Coreia do Sul e o ‘soft power’ do país com o K-Pop e o cinema, gerando receitas bilionárias para o país. 

Diante disso, mexer drasticamente em áreas fundamentais para o funcionamento de todo um setor com números tão expressivos requer um cuidado e muito embasamento para evitar erros graves.

Tudo o que a cartilha do governo Bolsonaro, claro, não preza como prova o ministro da Casa Civil e profundo conhecedor do cinema nacional, Onyx Lorenzoni: 

“Quer produzir um filme x, y ou z, quer ir para o mercado e captar sozinho, ok. Agora, para levar recurso público tem que ter retorno, tem que ter qualidade. E uma das coisas que não faz parte da métrica hoje é se tem ou não sucesso, se tem ou não espectador dentro da sala de cinema”. 

Uma frase tão sem nexo – retorno é de bilheteria ou ser premiado em festivais dentro e fora do Brasil? O que ele avalia como qualidade? “Nada a Perder” foi um sucesso mesmo com os cinemas vazios? Lotar salas de pequenos portes vale ou somente multiplexs para medir sucesso de um filme? – que merecia entrar para o Febeapá de tamanho bíblico do governo. 

A coerência pela incoerência demonstra a marca da presidência de Bolsonaro como um todo, sendo o ataque ao audiovisual mais uma tentativa desajeitada na busca de silenciar vozes opositoras dentro do país.

A graça de tanta ‘beleza’ promovida pelo governo é saber que, apesar dos potenciais estragos, a queda será aplaudida de pé, tal qual ocorreu com os nossos filmes em Cannes. 

Por fim, meus palpites de quem Bolsonaro escolherá como integrantes do Conselho Superior do Cinema, agora, ligado à Casa Civil: 

Seis representantes da indústria do audiovisual 

     Três Representantes da Sociedade Civil

  • Pastor Marco Feliciano; 
  • Pastor/Deputado Silas Malafaia; 
  • Deputado Kim Kataguari.