Homem de Aço”, “Batman Vs Superman”, “Esquadrão Suicida”, “Liga da Justiça”. O nível do Universo da DC Comics chegou a um patamar tão baixo que qualquer coisa um pouco menos ruim já é saudada como algo genial. “Mulher-Maravilha” até merecia um pouquinho do tal rótulo não apenas por ser um bom filme, mas, também por toda a representatividade feminista. Agora, fazer isso com “Aquaman” é forçar demais a amizade.

A superprodução da DC obriga o espectador a acompanhar uma história já contada centenas de vezes na tela, grandes atores em performances sofríveis e cenas de ação e efeitos visuais a serviço de uma trama sem um pingo de emoção. Tudo isso ao longo de 143 minutos de muita enrolação – 90 minutos resolvia toda a trama sem sacrifícios.

Presente em uma pequena ponta em “Batman Vs Superman” e com maior destaque em “Liga da Justiça”, o Aquaman ganha o filme para contar a origem do personagem e todo o universo próprio. Logo no início, descobrimos a origem dele fruto do relacionamento entre a Rainha de Atlântida, Atlanna (Nicole Kidman) com o faroleiro Thomas Curry (Temuera Morrison). A soberana acaba sendo obrigada a voltar ao reino nos mares, enquanto o filho dela, Arthur, cresce na superfície sem reivindicar o trono. A situação muda quando o meio-irmão do herói, Orm (Patrick Wilson), pretende iniciar uma guerra para conquistar não apenas o oceano inteiro, mas, o restante da Terra também. Daí, o Aquaman precisará decidir se vira ou não rei para salvar a humanidade.

Vindo dos sucessos de “Jogos Mortais”, “Invocação do Mal” e “Velozes e Furiosos 7”, James Wan tinha uma clara missão: dar uma nova identidade para os filmes da DC. Isso significava tirar grande parte da tensão dramática da história dando um caráter mais heroico e aventureiro ao universo do estúdio. Menos realidade, mais ficção; menos escuridão, mais cores; menos seriedade, mais humor; menos DC, mais Marvel.

Por este ponto de vista, o diretor foi bem-sucedido: o sentido de aventura mais descompromissada está presente em cada elemento. A Atlântida de “Aquaman” é construída com muito neon, verde, azul claro remetendo ora a Pandora, de “Avatar”, ora a Asgard, de “Thor”, isso para não falar do simbolismo do forte vermelho claro contrastando com a escuridão ao redor na descida de Aquaman e Mera (Amber Heard) rumo ao Reino dos Fossos, na cena mais bonita do filme. A intensidade dos combates com os personagens sofrendo pancadas e distribuindo golpes sobre-humanos deixam esta marca pretendida, especialmente, na condução primorosa do duelo de Nicole Kidman contra os soldados na casa e Jason Momoa enfrentando os piratas.

Entender estas características, porém, não significa que o filme funciona plenamente. “Aquaman” traz uma história tão datada e óbvia que fica difícil o envolvimento do público. Adivinhar, por exemplo, como será o destino dos arcos envolvendo Mera e Atlanna em relação ao herói não exige muito assim como todo o conflito interno entre ser ou não rei . A comparação com “Pantera Negra” é inevitável e enfraquece o longa da DC.

Nisso, as atuações vão por água abaixo (não resisti ao trocadilho): Willem Dafoe faz cara de paisagem, Nicole Kidman se esforça sem sucesso para dar um humanismo à personagem, ficando menos feio para Amber Heard capaz de entregar o mínimo de carisma. Pelo menos, Jason Momoa incorpora bem a aura de rockstar do herói e contagia a todos com a própria diversão com que atua.

Igual os filmes da Marvel em sua maioria, os vilões pouco convencem: Orm segue uma linha adotada por Loki do irmão malvado, mas, sem a sagacidade e o charme do primeiro, enquanto o Arraia Negra até surge interessante devido ao contexto da vingança relativa ao pai, porém, torna-se tão tão caricato a ponto que o perigo se dilui e você simplesmente não o leva a sério.

Acima de tudo, os perigos enfrentados pela Aquaman não empolgam de verdade, pois, o risco de algo ruim acontecer com ele ou seus aliados é nulo. Cria-se batalhas lindas de serem vistas, mas, estéreis de emoção. James Wan também estica desnecessariamente determinadas sequências pelo encantamento com a beleza dos cenários e efeitos visuais, perdendo o impacto do momento – o sobrevoo na chegada à Atlântida, por exemplo, perdura ao ponto da exaustão. O único ponto digno de aplausos do roteiro é inserir uma mensagem ecológica orgânica à trama sem tornar-se panfletário.

A narrativa até respeita a essência bobona e tola de Aquaman, sujeito com mais força física do que cérebro. Levando isso em consideração, nada mais coerente do que tratar o público como idiota. Não à toa o roteiro da dupla Will Beall e Geoff Johns repete diversas vezes a mesma coisa (só sobre o que ocorreu com Atlanna no Reino dos Fossos foram, pelo menos, umas cinco vezes), determinadas sequências são apenas para gerar ação (o trecho “Indiana Jones” no deserto do Saara pouco influencia na história), flashbacks estão sempre a disposição para aliviar a memória do mais distraído e alívios cômicos são usados a todo momento indiscriminadamente (o que são os testes do traje do Arraia Negra?). A trilha sonora? Ostensiva a ponto de colocar Mera tocando uma flautinha para reforçar o início de um romance com o herói.

Projeto de segurança como todo filme de origem, “Aquaman” alcança o objetivo proposto sem maiores dificuldades. Satisfaz boa parte do público-alvo, mas, não deixa de inquietar sobre como aceitamos tão pouco em troca de efeitos visuais “espetaculares” e piadinhas descoladas. Ser o melhor filme da DC – o que, repito não é – significa grandes coisas quando o nível é tão baixo?