“El Hombre del Futuro”, longa de estreia do chileno Felipe Ríos, é um conto delicado sobre a distância física e emocional entre pai e filha. Com uma passagem premiada no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, a produção faz da Patagônia um verdadeiro personagem e é uma pedida para espectadores que apreciam dramas com ritmo lento.
Elena (Antonia Giesen) é uma boxeadora amadora que vive com a mãe e está farta da vida na sua pequena cidade rural no interior do Chile. Um dia, ela resolve partir para uma longínqua terra ao sul para participar de uma competição, pegando carona com um caminhoneiro conhecido como Quatro Dedos (Roberto Farías).
Paralelamente, seu pai distante, o também caminhoneiro Michelsen (José Soza), está indo para a mesma direção levar a sua última carga antes de ser aposentado à força pela transportadora da qual é empregado. Seus caminhos eventualmente se cruzam e eles se veem refletindo, lado a lado, sobre a natureza de sua relação.
Michelsen, com seu chapéu e cenho franzido, é quase um cowboy moderno. Apesar de ele ser “homem do futuro” do título, seu futuro nunca chegou. Ele se tornou alguém que busca fazer as pazes com o passado diante do peso de uma vida de solidão.
Ele saiu para ganhar a vida nas estradas chilenas, deixando para trás esposa e filha. Apesar de não tê-las abandonado – mantendo a ajuda financeira e fazendo esporádicas visitas – sua profissão acarretou numa restritiva distância física. Sua mulher conseguiu fazer as pazes com isso, mas Elena, por pertencer a uma outra geração, nunca aceitou ter um pai ausente.
O racha entre eles se agravou com os anos a ponto de quase não manterem contato depois que ela cresceu. Esse conflito geracional dá o tom do filme, e quando os dois finalmente se reencontram, por volta dos 67 minutos, pai e filha buscam entender as motivações do outro, quase como se estivessem se conhecendo.
De certa forma, uma insatisfação de teor geográfico os une: Elena se sente presa em um mesmo lugar – sua cidade – e não está feliz, enquanto Michelsen está em todos os lugares e também não está contente. Além disso, ambos anseiam por preencher um vazio afetivo que só pode ser sanado pelo outro.
Tudo isso se desenrola lentamente no decorrer dos 96 minutos de projeção, com as paisagens do sul do Chile sendo um reflexo do psicológico dos protagonistas. Sob as lentes do diretor de fotografia Eduardo Bunster, tons frios e cores fracas reforçam o mundo vasto e selvagem que os cerca e os isola.
Em determinado momento, refletindo sobre sua vida ambulante, Quatro Dedos se questiona: “Quem me abraça quando chego em casa?”. Evitando sentimentalismo, ” El Hombre del Futuro” é um road movie tocante sobre duas pessoas, em diferentes fases da vida, tentando responder essa pergunta.
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*O jornalista viajou para o Festival de Karlovy Vary como parte da equipe do GoCritic!, programa de fomento de jovens críticos do site Cineuropa.
Assisti ao filme ontem no SESC Santana. Fiquei com o mistério do Quatro Dedos na cabeça. Que será? Ele sempre canta na enquanto dirije e os personagens de suas canções são sempre quatro… A fotografia do filme é muito interessante e realça as emoções vividas em cena. Enfim, gostei bastante da análise, muito coerente.